Sábado, 11 de junho de 2016
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Quase três meses após seu nascimento, a menina Makeda Foluke de
Paula da Silva finalmente poderá ter o registro civil, com a decisão
favorável proferida nesta quinta-feira (9) pelo Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro (TJRJ). Nascida no dia 16 de março, o Oficial de
Registros de São João de Meriti, na baixada fluminense, recusou o
registro sob alegação de que o nome poderia deixar a criança exposta ao
ridículo.
De acordo com o advogado da família, Hédio Silva Jr, a
recusa foi baseada no artigo 55 da lei 6.015/73, dos registros públicos,
que diz, no parágrafo único, que “os oficiais do registro civil não
registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus
portadores”. Mas, para o advogado, houve arbitrariedade por parte do
cartorário que tomou a decisão apenas por se tratar de um nome africano.
“Foi
uma recusa totalmente arbitrária, porque o registrador entendeu que o
nome destoaria da brasilidade, foi um dos argumentos, e que o nome seria
suscetível a trocadilhos e galhofas. Mas nós argumentamos que, a
depender da criatividade do zombador, qualquer nome é suscetível de
trocadilhos ou galhofa. O que houve foi associar um nome africano a algo
ruim, algo negativo, os pais se sentiram discriminados pelo
registrador”.
O pai da menina, o bombeiro militar Cizinho
Afreeka, se disse surpreso com a recusa e afirma que o ato foi uma
“sutileza do racismo” instituído na sociedade e facilitado pelos
argumentos legais. “Com certeza, são sutilezas do racismo, que a gente
tem dificuldade de provar que é. Mas são esses modelos, que a própria
lei facilita,que abrem brecha para uma pessoa fazer esse tipo de
interferência. Se fosse outra pessoa de origem alemã ou japonesa, eu
duvido que aconteceria isso e não passaria por esse constrangimento".
Cizinho
relata que conversou com o superior no cartório e a recusa permaneceu,
sendo necessário abrir o processo de dúvida e justificar a escolha do
nome. De acordo com o pai, o Ministério Público de São João de Meriti
sugeriu que fosse acrescentado outro nome, como Ana, antes de Makeda, e a
juíza da Infância e Juventude da cidade acatou. Então, a família
recorreu ao TJRJ.
O advogado explica que a justificativa está na
Constituição, que tutela a cultura afrobrasileia e indígena e as
qualifica como parte do patrimônio cultural brasileiro. “Tem uma
resolução do CNJ sobre registro de nome de crianças indígenas,
integradas ou não, que permite que sejam atribuídos nomes indígenas a
essas crianças. É uma norma que preserva a identidade cultural dos povos
indígenas e das crianças indígenas. Nós também utilizamos esse
argumento. A Constituição não hierarquiza a cultura europeia,
afrobrasileira e indígena. Como essa norma é aplicada a nomes indígenas,
também deve ser aplicada a nomes africanos”.
O pai de Makeda
lembra que o Brasil sempre suprimiu os nomes africanos da sua história:
“O país se orgulha de ser formado pelas raças, mas é só retórica,
porque uma delas não tem autonomia e autoridade para nominar. Outra
coisa que fica mais nítida é a gente fazer um resgate histórico e saber
que as pessoas africanas que foram escravizadas, aqui no Brasil, tiveram
o nome [africano] arrancado".
A família, agora, aguarda o
acórdão ser publicado para levar o documento ao cartório e fazer o
registro de Makeda Foluke. Makeda significa grandiosa e era o nome da
rainha do Reino de Sabá, na região onde hoje estão a Etiópia e o Iêmen,
que teria vivido [a rainha] no século X antes de Cristo. Foluke é um
nome iorubá e significa colocada aos cuidados de Deus.