Do Blog do Arretadinho
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Pacientes em macas e nos corredores |
HRAN já tem atendimento de hospital de campanha, a única coisa que falta é uma guerra de verdade
De Brasília
Joaquim Dantas
Para o Blog do Arretadinho
Se estivéssemos em guerra, não teríamos que nos preocuparmos com
atendimento hospitalar, o Hospital Regional da Asa Norte, HRAN, já faz
atendimento de um hospital de campanha em campo de batalha.
Paciente revela como foram os 5 dias que esteve internado no HRAN, na
sala de medicação da emergência do hospital. Superlotação, falta de
médicos, enfermeiros e medicamentos seria um excelente roteiro para um
filme de guerra, mas no caso do moradores do DF, é um filme de horror.
No último dia 27 José Lourenço (nome fictício a pedido do paciente)
chegou à emergência do hospital por volta das 16h, com um quadro de
saúde que mereceu durante a triagem a fita vermelha, que representa
risco iminente de morte. Este procedimento é conhecido como Protocolo de
Acolhimento com Classificação de risco.
Na sala de espera externa do hospital, na hora em que Lourenço chegou,
haviam cerca 50 pessoas aguardando ser encaminhadas para a triagem,
aquele procedimento onde um enfermeiro analisa a gravidade do estado de
saúde do paciente e o classifica com uma fita colorida no pulso
VERMELHO
Prioridade zero - emergência , necessitam de atendimento imediato
AMARELO
Prioridade 1 - urgência , atendimento em no máximo 15 minutos
VERDE
Prioridade 2 - prioridade não urgente, atendimento em até 30 MINUTOS
AZUL
Prioridade 3 - consultas de baixa complexidade - atendimento de
acordo com o horário de chegada – tempo de espera pode variar até 3 horas de acordo
com a demanda destes atendimentos, urgências e emergências.
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Cena comum no HARAN |
O paciente que me fez este relato esperou por cerca de duas horas para
ter o seu estado de saúde classificado e, ao invés de ser encaminhado ao
atendimento imediato como manda o protocolo, foi orientado a voltar
para a área externa, juntamente com outros pacientes que também já
haviam passado pela triagem, sob a alegação de que a área interna estava
lotada.
Por volta das 22h Lourenço e todos os demais que haviam passado pela
triagem ainda estavam aguardando atendimento na área externa, enquanto
chegavam mais pessoas em busca de atendimento e que haviam feito uma
verdadeira Via Crucis em busca de de atendimento médico. Segundo relato
de inúmeras pessoas, naquele dia não havia nenhum médico no Hospital de
Base de Brasília, bem como nos Hospitais do Guará e Núcleo Bandeirante.
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Profissionais de enfermagem se desdobram em mil para atender os pacientes |
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Corredores com pacientes por
falta de leito
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No HRAN apenas uma médica, aparentemente chilena, desdobrava-se para
atender àquelas pessoas e as que eram trazidas pelo SAMU vítimas dos
mais diversos tipos de acidentes. Para se ter uma ideia da gravidade da
situação, naquela sexta-feira, às 23h, haviam mais de 70 pessoas na área
externa aguardando atendimento, destas, cerca de 25 pessoas já haviam
passado pela triagem e na área interna haviam cerca de 40 pessoas
aguardando atendimento, sem contar com 2 pacientes em estado gravíssimo e
os dez pacientes que lotavam o box de atendimento. Todo esse cenário
para apenas uma médica fazer o atendimento.
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Sala de espera lotada e consultório
médico vazio
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Nosso personagem principal conseguiu ser atendido pela médica por volta
de 1 hora da manhã, na madrugada de sábado (28), Ao perceber a gravidade
do estado de saúde de Lourenço, a médica resolveu interná-lo
imediatamente, recomendando a imediata medicação do paciente. O problema
é que as áreas destinadas aos pacientes internados estavam todas
lotadas e o Lourenço juntou-se as mais de vinte outras pessoas também
internadas na sala de medicação da emergência do hospital.
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Acompanhantes de pacientes improvisam cadeira |
Daí para frente o enredo que o personagem seguiu foi o mais absurdo
possível, a começar pelo cumprimento do horário da medicação. Apenas 1
profissional de enfermagem trabalhava na sala de medicação de emergência
e este profissional não tinha a responsabilidade de medicar os
pacientes "internados", apenas os da emergência. Já os profissionais que
tinham a responsabilidade de medicar os pacientes "internados" em
locais denominados Alas, também eram 1 por setor e estavam
sobrecarregados, quando podiam ir à sala de medicação da emergência para
atender aos pacientes "internados", o horário estabelecido para a
aplicação do medicamento já havia ultrapassado até duas horas de atraso.
Na sala de medicação não há leitos, mas uma espécie de cadeira para que
os pacientes recebam atendimento e fiquem em observação provisoriamente,
acontece que àquelas mais de 20 pessoas que estavam "internadas"
permaneceram ali por cinco dias ou mais, com uma dificuldade imensa para
dormir, seja pelo desconforto da cadeira, dos gritos de dor dos que
chegavam em ambulâncias a noite toda, ou ainda pelo choro incontido dos
que viam que seu ente querido sairia daquela emergência de hospital para
o Campo da Esperança.
Durante todo o dia de sábado, domingo e segunda-feira, nenhum médico foi
à sala de medicação da emergência para fazer o acompanhamento dos
pacientes "internados" e a justificativa para a ausência desses médicos
era sempre a mesma, não tem médicos no HRAN. Segundo o relato de uma
profissional de enfermagem que preferiu não ser identificada, "médico
tem, o problema é que eles não gostam de trabalhar aos finais de semana,
preferem a balada", disse ela.
Apenas na terça-feira (31) apareceram dois médicos para assistir aos
mais de 60 pacientes "internados" nas 3 Alas e na sala de medicação da
emergência. Segundo relatou Lourenço o médico levou cerca de 5 minutos
"entrevistando" cada paciente.
Diante de um quadro como esse relatado aqui e que certamente se estende à
todas unidades hospitalares do DF, pode-se perfeitamente chegar a
conclusão de que o GDF está abandonando a Saúde Pública para poder
"justificar" a privatização do setor.