Quarta, 6 de dezembro de 2017
Ministro Nogueira é pastor e deputado pelo PTB
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Do MPF no DF
Ação civil de improbidade aponta diversos atos
durante a gestão de Ronaldo Nogueira que prejudicam a fiscalização e a
repressão ao trabalho em condição análoga à de escravo
O Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) propôs à
Justiça ação de improbidade administrativa contra o ministro do
Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira. A atuação dele – de forma
deliberada em desrespeito às normas legais – resultou no enfraquecimento
das estruturas e serviços públicos de fiscalização e combate ao
trabalho em condição análoga à de escravo e no desmonte da política
pública de erradicação do trabalho escravo. Assinam a ação as procuradoras da República Ana Carolina Roman, Anna Carolina Maia, Marcia Brandão Zollinger, Melina Castro Montoya Flores e o procurador da República Felipe Fritz Braga.
Desde que foi nomeado para o cargo, em 12 de maio de 2016,
Ronaldo tomou inúmeras medidas administrativas para, de algum modo,
enfraquecer a política pública de erradicação do trabalho escravo, entre
elas: a contenção das atividades do Grupo Especial de Fiscalização
Móvel (GEFM) e da fiscalização do trabalho; a negativa de publicidade da
lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das discussões da
Conatrae; e a publicação da Portaria nº 1.129/2017.
Para os procuradores, não há que se falar em aprimoramento do
Estado brasileiro, muito menos em segurança jurídica, quando o conceito
de trabalho escravo, os efeitos da lista suja e a fiscalização do
trabalho são restringidos. “O que se vê, claramente, é um grave
retrocesso social”, afirmam.
Grupo Móvel – Criado em junho de 1995, tornou-se
referência internacional em matéria de enfrentamento ao trabalho
escravo, sendo considerado pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) como a base de toda a estratégia de combate ao trabalho escravo.
Já resgatou cerca de 50 mil trabalhadores. Também é responsável por garantir
aos trabalhadores resgatados o pagamento do Seguro-Desemprego do
Trabalhador Resgatado (GSDTR), a proteção temporária em abrigos,
capacitação profissional e inclusão deste público nos projetos do
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
A ação aponta que o ministro, de forma omissa e deliberada,
deixou de repassar os recursos orçamentários necessários para o
desempenho das operações do GEFM, apesar do compromisso de incrementar
em 20% as ações planejadas de inspeção previsto no Plano Plurianual da
União (PPA). Em 2015, foram 155 operações; em 2016, 106; e em 2017 há
registro de apenas 18 operações realizadas pelo grupo. Por isso, ele é
acusado de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/19912).
Segundo Ana Roman, a manutenção das atividades do Grupo Móvel,
como eixo central da política pública de erradicação do trabalho
escravo, é dever que se impõe ao ministro do Trabalho, a fim de se
evitar um retrocesso social.
Lista suja – Uma das medidas mais emblemáticas e
eficazes no combate à escravidão contemporânea adotada em 2003, é
resultado de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que
colocou o país como referência na luta global contra o trabalho forçado.
Estar na lista suja significa restrição de crédito e da própria
atividade comercial. Além de ser uma medida de transparência,
configura-se em instrumento inibidor da prática e de proteção àqueles
que se encontram em vulnerabilidade econômica e social.
Em março deste ano, completaram-se dez meses de conduta omissa
do ministro para retardar a divulgação do cadastro, a despeito do dever
jurídico imposto pela Portaria Interministerial MT/MMIRDH nº 4/2016.
Nesse período, uma ação do Ministério Público do Trabalho e uma
recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos não foram
suficientes para promover a divulgação. Ao contrário, em dezembro de
2016, o ministro editou a Portaria nº 1.429, a qual instituiu grupo de
trabalho para dispor sobre as regras relativas à lista suja. “Claramente
a criação do referido GT teve caráter protelatório. Já havia a portaria
interministerial disciplinando o assunto”, afirmam Anna Maia.
Segundo a ação, a criação do GT também teve o intuito de
afastar as principais instituições responsáveis por debater as políticas
públicas voltadas ao assunto, a exemplo da Comissão Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Isso permitiu a elaboração
de novas normas sem a participação e acompanhamento dos especialistas e
técnicos ligados ao tema, bem como manter sob supervisão direta do
ministro as discussões.
“Apenas no final de março de 2017 – após quase um ano de
injustificada omissão e, mesmo assim, somente por força de decisão
judicial – o Ministério do Trabalho publicou o cadastro de empregadores
envolvidos com a submissão de pessoas a condições análogas às de
escravo”, argumentam as procuradoras. Ainda assim, o cadastro, publicado
em 23 de março, com 85 empregadores, foi retirado ao ar e, duas horas
depois, voltou com apenas 68 nomes, cuja diminuição da lista não contou
com respaldo técnico da Divisão de Fiscalização para Erradicação do
Trabalho Escravo (Detrae). Por retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, o ministro é acusado de improbidade
administrativa.
Portaria 1.129/2017 – Editada em 13 de outubro deste ano
sem consulta às áreas técnicas, a portaria dispõe sobre os conceitos de
trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo
para fins de concessão de seguro-desemprego a pessoas resgatadas em
fiscalizações do Ministério do Trabalho. Reduziu o conceito de trabalho
em condições análogas às de escravo por considerar apenas a atividade
que for exercida com violência ou restrição à liberdade de locomoção.
Atualmente, o conceito, estabelecido no Código Penal, abrange as
hipóteses de submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva,
condições degradantes de trabalho e restrição da liberdade do
trabalhador – que são as formas contemporâneas de trabalho escravo.
O conceito previsto em lei busca proteger a dignidade do
trabalhador, evitar sua objetificação, enfrentando a questão além da
restrição física da liberdade, como as precárias de alojamento,
fornecimento insuficiente ou inadequado de alimentação ou água potável,
maus-tratos, violência psicológica, precarização da saúde, aliciamento
de trabalhadores e exploração do trabalhador migrante, retenção de
salário como forma de reter o trabalhador, isolamento geográfico,
servidão por dívida, entre inúmeros outros aspectos.
A portaria condiciona a autuação das infrações à descrição
detalhada que aponte, obrigatoriamente: a existência de segurança armada
diversa da proteção ao imóvel; o impedimento de deslocamento do
trabalhador; a servidão por dívida; e a existência de trabalho forçado
involuntário pelo trabalhador. O auto de infração ainda deve conter o
boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Federal, que não utiliza esse
instrumento e nem sempre está presente em todas as fiscalizações. Ou
seja, a portaria restringe o poder de polícia administrativa dos
auditores-fiscais do trabalho, que podem exercer a fiscalização em
qualquer estabelecimento, independente de mandado judicial.
A portaria também estabelece que a inscrição do empregador na
lista suja, bem como a divulgação, fica a critério do ministro do
Trabalho. Há, nesse caso, violação ao princípio da impessoalidade. Prevê
ainda, no parágrafo único do art. 5º, mecanismo que permite retirar do
cadastro os empregadores que tenham sido autuados antes da publicação da
portaria, configurando em verdadeira anistia.
O retrocesso imposto pela portaria abordou a possibilidade de
celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou de acordo
judicial com empregadores sujeitos a constar da lista suja, ao excluir a
necessidade de ciência ao MPT dos termos firmados, ao excluir a
previsão acerca dos compromissos que deveriam ser assumidos pelo
empregador, ao revogar a publicidade do TAC e ao permitir que
empregadores, mesmo reincidentes, possam firmar novos acordos.
Segundo a ação, a tônica de todo o teor da Portaria nº 1.129 é
reduzir o alcance dos efeitos administrativos adversos aos empregadores
que submetem trabalhadores a condições análogas à de escravo. A portaria
cria requisitos não reconhecidos pela legislação ordinária ou
jurisprudência do tema, revoga dispositivos da Portaria Interministerial
e ainda nega benefícios de seguro-desemprego a inúmeros trabalhadores
resgatados em situações degradantes e torna remota a possibilidade de
inclusão de empregadores na lista suja. O ministro não poderia revogar
unilateralmente dispositivos de portaria conjunta.
Para os procuradores da República, a edição da portaria
pelo ministro tive o objetivo de atender os interesses da bancada
ruralista do Congresso Nacional, de forma a influenciá-los na votação
oferecida pelo então procurador-geral da República contra o Presidente
da República Michel Temer e outros Ministros de Estado, inclusive o
chefe da Casa Civil.
Violações – A gestão do ministro à frente do Ministério
do Trabalho violou diversos princípios da administração: moralidade
pública e administrativa, impessoalidade, legalidade, eficiência,
publicidade, interesse público. Houve também ofensa à cidadania, à
dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais, além dos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa previstos na Constituição.
Para
os procuradores, o ministro atuou - ainda que por uma insistente
omissão – de forma deliberada e suas ações não foram pontuais e não
decorreram de manifestações isoladas da administração pública, não podendo ser percebidos como meras irregularidades apartadas.
“Tratam-se de ilegalidades conectadas pela gestão do ministro do
Trabalho e voltadas a uma mesma finalidade que não é o interesse
público, mas impor o retrocesso na política pública de erradicação ao
trabalho em condição análoga a de escravo, em prol de alguns poucos
interesses privados”, concluem.
Pedidos
– A ação pede a condenação do ministro às sanções civis e políticas
previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992, que são:
ressarcimento integral do dano; perda da função pública, se houver;
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de
multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente; e proibição de contratar com o poder público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de três anos.