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(Millôr Fernandes)

domingo, 15 de abril de 2018

Em meio a investidas privadas, defesa do direito à saúde pública deve ser fortalecida

Domingo, 15 de abril de 2018
Por Redação

Única alternativa dos mais pobres para cuidar da saúde, estrutura do sistema público sofre assédio do capital
Imagem: Andre Sousa Borges/ Agencia Brasilia

30 anos após sua criação, Sistema Único de Saúde enfrenta embate financeiro desigual com o setor privado

Por
Luciana Console para o Saúde Popular

O direito à saúde pública e universal é uma das previsões mais importantes da Constituição de 1988, texto cujos valores aproximaram o Brasil de uma social-democracia garantidora de condições básicas à dignidade humana. Nos últimos 30 anos, porém, o acesso aos serviços vem sofrendo graves consequências por conta da pressão do capital pela privatização do setor aliada à falta de financiamento público para os equipamentos de saúde pública.

“O fenômeno que a gente tem no Brasil é muito complexo, porque o SUS está de pé, só que como um saco vazio. E isso não é de agora. A gente tem esse processo de competição com o SUS desse setor privado sempre em expansão, que é muito preocupante”, aponta Ligia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ.

A disputa nem sempre leal entre público e privado na área da saúde é um dos temas a ser discutido na 16ª Conferência Nacional de Saúde, com data prevista para início de 2019. A Conferência terá como tema “8ª + 8 = 16ª”, em referência à 8ª Conferência, ocorrida em 1986, que foi um marco na história da saúde por ter caráter popular e servir de base de discussão para a formulação do SUS na constituinte.

Para Lucia Souto, presidenta do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), a Conferência será importante para o fortalecimento da luta em favor do SUS. “Eu acho que é o momento da gente começar a trabalhar nessa disputa de projetos na sociedade brasileira, esse retorno, essa recuperação do espírito de 1988. É um espirito de uma sociedade inclusiva, solidária, com direitos sociais universais, que não é o que a gente está vivendo hoje”, pondera.

Setor privado quer Sistema Nacional de Saúde
A expansão do setor privado sempre contou com apoio dos governos, inclusive os populares, justamente os que deveriam fortalecer o papel do Estado no setor para cumprir o previsto na Constituição, critica Ligia Bahia. Para ela, é uma questão de correlação de forças, em que o setor privado vem ganhando: “o Brasil tem o segundo maior mercado de planos de saúde do planeta. E já tem esse mercado há um bom tempo. Esses empresários vem apresentando a proposta de Sistema Nacional de Saúde desde 2014, então é uma questão de escolha política, já que várias dessas coalizões governamentais não priorizaram o SUS”.

A proposta de implantação de um novo Sistema Nacional de Saúde, discutida em iniciativas promovidas pelo setor privado da saúde, como a Federação Brasileira de Planos de Saúde (Febraplan), vem sendo repudiadas por entidades como a Associação Brasileira de Enfermagem e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). Stephan Sterling, da Rede de Médicos e Médicas Populares, afirma que, apesar de o avanço neoliberal não ser novidade, não se pode olhar com descrédito para a situação atual e que os efeitos dessa investida, como a proposta discutida pela Febraplan, podem ser ainda mais nocivos.

“Oferecer de fato um serviço de saúde privado e pautar isso como essencial ainda não havia acontecido. Dentro da saúde suplementar, estão tentando um rearranjo de forças, passando de um consenso pragmático não só no que concerne à disputa financeira, de custo e financiamento, mas agora também em um consenso de sistema, do que se vai oferecer de saúde para a população”, ressalta Sterling.

De acordo com a presidenta do CEBES, a situação financeira do SUS piorou após o golpe em 2016 e o ataque à saúde passou por uma mudança de percurso, principalmente por conta da PEC do Teto, que limita os gastos do governo em setores como saúde e educação em até 20 anos. “Eu acho que é um patamar diferente neste momento. O que está acontecendo hoje, com a emenda constitucional do teto dos gastos em 20 anos foi o que mudou radicalmente a questão”.

Para ela, com a crise e o desemprego, as saídas para os problemas não podem ser individuais e sim, sociais. “É preciso fortalecer o SUS com urgência. Apesar de o SUS ter muitos problemas, seu esvaziamento como serviço público fere diretamente a questão da saúde como direito universal no Brasil”, conclui.

Edição: Diego Sartorato