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José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, avalia como impossível Exército resolver ‘em 10 meses’ problemas ‘de 10 anos’ no RJ; intervenção completa 3 meses nesta quarta-feira

“As simples, por exemplo, o fato de a Polícia Civil só ter um terço do efetivo nas delegacias. Uma redistribuição de pessoal já consertaria. Tem os [problemas] complexos, como o fato da PM no RJ não ter supervisão dos policiais nas ruas. Todo policial vira sargento, não tem seleção. No estado não se tem tenentes nas ruas, a polícia é muito envolvida com corrupção e as milícias”, detalha José Vicente.
O interventor general Walter Souza Braga Netto está no comando da segurança do estado desde 16 de fevereiro e, entre as ações das tropas está combater as milícias. Porém, o primeiro grande movimento de combate a ação desses grupos apresentou erros graves, conforme destacou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, quando 159 pessoas foram presas em um show de pagode na zona oeste da cidade. Posteriormente, a Justiça soltou 138 dos presos por entender que não havia provas da suposta ligação com milicianos. Na ocasião, o subcoordenador de defesa criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Ricardo André de Souza, chegou a dizer que “o que aconteceu em Santa Cruz foi um mandado de prisão coletivo disfarçado de auto de prisão em flagrante”.
Logo após a chegada das Forças Armadas, no dia 14 de março, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes virou um dos pontos-chaves da intervenção. Dois meses após o duplo homicídio, ninguém foi preso. Há, até o momento, a confirmação de suposta ligação de três PMs – um deles ex-policial que cumpre prisão em Bangu por envolvimento com a milícia – na ação e a do vereador Marcello Siciliano (PHS) nas mortes.
“O Exército vai sair mal da empreitada porque se espera muito e não pode ser feito o que estão imaginando. Nem em áreas mais adequadas para as Forças Armadas do que a polícia, como locais dominados por criminosos… Nem na Rocinha [o Exército] conseguiu resolver as questões ali postas”, avalia. “Quando a Intervenção sair, deixará um problema do mesmo tamanho. Infelizmente”, lamenta o ex-secretário de segurança.
Quando a intervenção completava dois meses, o também ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, apontou pontos de fragilidade na intervenção semelhantes ao de Silva Filho. “A natureza da intervenção foi político-eleitoral. Me parece indiscutível isso. Não havia planejamento algum. Segundo os próprios comandantes, eles, em sua maioria, sabiam que a intervenção militar não traria efeitos na redução da criminalidade. Eles não estão preparados para isso, não querem se envolver nisso. Não há compatibilidade entre a própria competência das Forças Armadas, do Exército em particular, e o sentido civil da segurança pública. Os militares estão preparados para a guerra e nós precisamos de um trabalho que é de investigação policial, de patrulhamento, de prevenção, e tudo isso carrega consigo exigências profissionais absolutamente distintas”, alertou, à época, o sociólogo.