Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 14 de agosto de 2018

O novo e o velho na eleição presidencial

Terça, 14 de agosto de 2018
Por
Pedro Augusto Pinho 

O general Severino Sombra (1907-2000), em artigo na Revista da Academia Carioca de Letras (“A Ciência e as Elites”, nº 4, 1995), aponta a enorme distância entre as evoluções científica e tecnológica ocorridas no século XX, “enquanto sociólogos, economistas e administradores exaurem-se no afã de acompanhar o ritmo da mudança social imposta pelo rápido desenvolvimento”, do retardo, da acomodação; da falta de identidade entre os fatos e o pensamento das elites políticas.

A CRISE NACIONAL
Vejamos neste momento, em que o Brasil vive imensa crise política, fruto do golpe jurídico-midiático aplicado pelo interesse do capital financeiro internacional (a banca), qual o tema dessas elites?

Teríamos, em princípio, duas vertentes: de um lado, dentro da solução que os poderes no Brasil sempre nos impuseram, o modelo autoritário, da solução pronta, copiada das ideologias importadas; de outro, o aprofundamento democrático, ouvir mais o povo e construir a solução que este povo entenda e seja capaz de trabalhá-la, de operacionalizá-la, de encontrar o caminho brasileiro.

E estou dispensando os arrivistas, que pregam a distribuição de armas, a guerra civil, o fratricídio brasileiro. Estes extremistas terão espaço e ouvidos sempre que a exceção imperar. E qual maior exceção do que a justiça político-partidária, do juiz que faz a lei conforme o acusado, que escolhe (e muitas vezes pelos métodos mais vis) quem será o culpado e quem inocentará.

Vivemos, hoje, o pior momento de nossa história republicana. E ao fazer tal afirmação não deixo de reconhecer que a escravidão continua dominando as relações sociais em nosso País, que este abominável regime não se encerrou em 1888. Transmudou-se na forma, não no conteúdo.

E ao se exigir mais participação popular, mais plebiscitos, mais referendos, estamos conquistando mais cidadania, deixando o povo participar das decisões das quais ele, em primeiro e mais do que qualquer outro, sofrerá as consequências.

CANDIDATURAS BÉLICAS
Como candidatos, que não são farsas ambulantes, temos os bélicos, os candidatos do ódio, da exclusão (“Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. E a malandragem ...... é oriunda do africano. Essa herança do privilégio é uma herança ibérica”). Como imaginar que, com tal avaliação do homem brasileiro, o governante será democrático? Ouvirá o povo e entenderá seu clamor? A chapa Bolsonaro-Mourão quer nos levar à guerra civil.

Façamos um pouco mais de reflexões sobre esta consequência.

Como sabem meus esclarecidos leitores, o mundo de hoje vem sendo dominado pelo sistema financeiro (a banca). A banca é inimiga dos Estados Nacionais. Ela pretende não sofrer qualquer restrição, qualquer regulamentação, qualquer impedimento para explorar os povos e as riquezas naturais.

Obteve seu ideal destruindo, como exemplo, o país que detinha o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África – a Líbia: Grande Jamahira Árabe Popular Socialista da Líbia – sob o ridículo pretexto de levar a democracia, num governo seguidamente aclamado pelo povo.

E que restou da Líbia, com a dominação da banca? 1.759.540 km² de terra de ninguém. Onde há petróleo, a grande riqueza líbia, há um enclave, guardado por tropas mercenárias, que protegem a produção para as empresas multinacionais.

Não existe mais a Líbia, seus quase 7 milhões de habitantes vivem uma disputa tribal; não exite a coesão nacional do tempo de Muammar al-Gaddafi. E a banca se locupleta.

Nesta mesma linha de autoritarismo pró-banca temos o candidato do Democracia Cristã (ex-PSDC).

No outro extremo, com o projeto de revolução social, temos o PSTU.

A BANCA E SEUS CANDIDATOS
Os candidatos da banca são os mais numerosos. Eles estão nos partidos Novo, Podemos, MDB (ex-PMDB), Rede e PSDB-PP-Centrão.

Não há qualquer diferença entre eles. Todos querem o fim do Estado, a entrega de todas as empresas públicas e de economia mista brasileiras para o controle de capitais estrangeiros e, tanto quanto possível, milícias no lugar de Forças Militares e da Segurança Pública Estatal. Não os estou agredindo, como alguém pode imaginar. Simplesmente estou reportando, de modo claro e correto, o que a banca tem por objetivo.

Vejamos onde a banca tomou o poder: a França, cujo Presidente Emmanuel Macron saiu da Casa Bancária Rothschild, das mais poderosas e atuantes do sistema financeiro internacional.

Nestes 15 meses de Governo, Macron apresentou lei para privatizar os Aeroportos de Paris (Charles De Gaulle e Orly), as loterias (Française des Jeux) e a empresa de gás Engie (fusão da Gaz de France com a Suez). Fez a reforma para redução de direitos trabalhistas da fundamental empresa ferroviária SNCF para o transporte no país. Propõe agora reduzir a representação popular na recente mensagem à Assembleia Nacional. E transferiu mais recursos para o sistema financeiro do que despendeu com geração de emprego e habitação.

No orçamento para 2018, prevê um corte de 7 bilhões de euros em receita tributária, em especial no imposto sobre o lucro, e o aumento do déficit público.
Para nosso leitor pouco afeito às questões financeiras, é importante um esclarecimento sobre o significado do “déficit nas contas públicas”. Ele ouvirá muitas vezes nos discursos e debates eleitorais.

O ENGODO DA DÍVIDA
As contas de um País , da Nação, não são nem de longe, iguais ou comparáveis a de uma pessoa, de uma família, de uma casa. Quem diz isso ou é ignorante ou está querendo enganar. Apenas uma diferença para sentir o absurdo: um País emite moeda, uma pessoa será criminosa se o fizer. Um País recolhe tributos, uma pessoa recebe salário ou rendimentos de investimentos.

O que significa o déficit nas contas da Nação? Que o governo gastou, naquele período computado, mais do que arrecadou. Isto só seria grave se as despesas fossem inúteis, ou não provocassem qualquer benefício, ou decorressem de desvios de recursos.

Assim, os governos que mais investem em saúde pública, em saneamento básico, em segurança pública, em geração de emprego, em transporte, em educação poderão e certamente irão gerar déficit público. Estas despesas de investimento acarretarão melhoria de vida, enriquecimento, consumo, salários que aumentarão as receitas tributárias e cobrirão os déficits, no futuro.

Mas as despesas podem exigir cobertura imediata. Os governos lançam mão de títulos de dívida e os vendem para o mercado financeiro. Também podem usar este recurso para colocar menos dinheiro em circulação, no caso da inflação estar aumentando. O mercado que compra estes títulos receberá juros como rendimento. Aí entra a banca.

Primeiro a banca procura dominar – quase sempre por algum tipo de corrupção – os responsáveis pela fixação dos juros para os títulos públicos. Depois a banca incentiva as despesas inúteis ou irregulares, ilegais, para aumentar a necessidade de emissão de títulos da dívida. Como concluiu o caro leitor, não é a dívida que é ruim. O que é danoso são taxas de juros altas e motivos espúrios – compra de deputados e senadores para evitar processo contra o presidente, para passar projetos contra a população – para constituição da dívida.

A banca adora a dívida pública. Os candidatos da banca ao proporem a redução da dívida estão mentindo, falando sobre o que jamais farão. O exemplo Temer-Meirelles-Alckmin é eloquente.

OUTRAS PROPOSTAS
Volto ao artigo do general Sombra: há um “novo humanismo que o Brasil ainda hesita participar. Até quando conseguirão mantê-lo marginalizado os grupos que vêm dominando a vida brasileira, donos da maior parte da Renda Nacional, num verdadeiro Imperialismo interno, servindo e sendo servido pelo Imperialismo externo?”.

Estamos diante do velho contra o novo. O velho é o debate ideológico de comunismo e anticomunismo, da continuidade da guerra fria, dos prós e contra as globalizações dos impérios – o inglês, no século XIX, o estadunidense, no século XX, e da banca neste século XXI.

O novo é a refundação do Estado Nacional Brasileiro com democracia, sem ódios, revanchismos ou procura de fantasmas.

E para iniciar precisamos da pluralidade democrática da comunicação de massa. Temos urgência em extinguir a imprensa oligopolista, familiar, corrupta e corruptora, que mata o jornalismo e acaba com o jornalista.

Em seguida precisamos buscar os projetos para o povo, para a existência física e intelectual dos cidadãos, para proporcionar condições do desenvolvimento sustentável e nacional do País.

A banca vem se utilizando das questões denominadas transversais – de gênero, de raça, ecológicas – para iludir e se infiltrar em movimentos sociais. É preciso cuidado para não cair no conto da Rede, nas Marinas Silva que aparecem financiadas por bancos.

Uma fraude atual é a meritocracia. Outra a moral. Outra o reconhecimento das diferenças. Tratemos brevemente dos usos políticos destes entendimentos.

AS QUESTÕES ESCONDIDAS
Nancy Fraser, filosofa estadunidense, é das melhores pensadoras atuais sobre os contextos da cidadania e da sua construção. Discutindo questões relativas aos comportamentos sociais e à cidadania (“From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a “postsocialist” age”, New Left Review, nr. 212, 1995), escreve que nas questões do reconhecimento “deve-se adiar a discussão sobre ética o máximo possível”.
É absolutamente natural que as referências mais próximas, das experiências pessoais, dos exemplos familiares, das observações dos entornos residenciais, sejam privilegiadas nas avaliações individuais.

Tanto menos participativo seja o cidadão, por atuação ou por reflexão acadêmica, tanto mais exclusivo será seu pensamento. E mais facilmente será envolvido por soluções aparentemente lógicas, naturais, factíveis, que, no entanto, resultam da estratégia de dominação usada pelos poderes dominantes ao logo do tempo.

Vejamos a questão da meritocracia. Parece absolutamente correto o critério da capacitação, em legítimo processo de disputa, o mais adequado e relevante critério de aferição ou de julgamento. Mas o processo de disputa será legítimo entre desiguais? Não exigirá  cada disputa uma igualdade: seja da oportunidade de aprender, de se exercitar, de se alimentar, etc etc etc?

Só pode haver meritocracia entre iguais. Uma sociedade de desigualdades aberrantes, monstruosas, intensas e constantes, como a brasileira, pode aplicar o critério da meritocracia indistintamente?

Veja o exemplo das cotas nas universidades. Os cotistas, na quase totalidade, seriam excluídos no processo seletivo. No entanto, e as estatísticas comprovam, ingressando nas faculdades seus desempenhos acadêmicos são iguais ou superiores aos dos não cotistas. Um caso onde a meritocracia se mostrou inadequada para formação de médicos, dentistas, arquitetos, engenheiros e tanto outros profissionais de nível superior. Por favor, respeite-se e não venha com as exceções.

Qual a ética da fome e da saciedade? Da desesperança e do planejamento?

As questões transversais tratam de aflições humanas, do anonimato e do reconhecimento, das questões éticas tratadas como morais. E a banca se esbalda. Num país ela é a favor do aborto, noutra é contra; aqui é homofóbica lá incentivadora das opções sexuais; agora poluidora e após preservacionista. Ela trabalha com a diversidade para obter seus ganhos, para concentrar cada vez mais a riqueza e o poder.

E somos iludidos com ideologias do passado, todas de mais de um século. A banca é o velho com roupas de novo.

ELEIÇÕES DE 2018
Para as eleições presidenciais deste outubro próximo teremos um confronto do velho com o novo.

Quase a totalidade dos candidatos, seja pelo seu passado, pelas suas propostas, seja pelo tempo de vida e pelas ligações políticas estão do lado envelhecido. E nem poderia dizer que isto representa experiência, pois nada mais foi do que a repetição, permanente e sistemática, dos mesmos padrões, dos mesmos métodos, dos mesmos processos, das mesmas fobias.

Trocando Lula por Haddad, dos treze candidatos escolhidos nas convenções partidárias para Presidente da República, oito nasceram antes de 1960 e, consequentemente, cinco após: 1962 (João Amoêdo), 1963 (Fernando Haddad), 1967 (Vera Lúcia Salgado), 1976 (Benevenuto Daciolo) e 1982 (Guilherme Boulos).

O novo está também na idade mas, o que é fundamental, está na proposta de efetiva mudança. Da não repetição de modelos importados destes séculos de Brasil Colônia.

Novo é acabar com a comunicação de massa oligopolista, comercial, defensora de golpes e dos interesses estrangeiros e dessa elite acomodada, cruel e ignorante, de que nos fala o general Sombra e o grande pensador Darcy Ribeiro.

Novo é ter a coragem de submeter ao veredito popular as decisões que vão interferir mais diretamente na vida dos brasileiros, ao invés de assumir respostas ideológicas.

Novo é buscar um novo modelo institucional brasileiro, mas afeto à nossa cultura, à nossa compreensão, ao nosso modo de ser. É promover a reforma do Estado, reestruturar a organização do Estado para torná-lo menos sujeito aos golpes militares, jurídicos, midiáticos ou parlamentares.

Novo é sair da colonização do “mercado”, da banca, do sistema financeiro internacional.

Novo é fazer do Brasil um Estado Nacional Soberano e Cidadão, Democrático e Livre..

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado