Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Terreiros de candomblé e umbanda: Peças históricas apreendidas de religiões afro-brasileiras pela polícia serão transferidas para Museu da República

Segunda, 10 de agosto de 2020
MPF atuou para garantir preservação e direito de acesso às peças retiradas de terreiros entre 1889 e 1945, após denúncia do Movimento Liberte Nosso Sagrado
Participantes da primeira reunião sobre o tema no MPF, em 2017 (Foto: Divulgação MPF)

Após quase três anos de negociações mediadas pelo Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Civil do Rio de Janeiro assinou na última sexta-feira (7) o termo de transferência ao Museu da República do acervo de mais de 200 peças de religiões de matriz afro-brasileira apreendidas entre os anos de 1889 e 1945, quando o Código Penal Brasileiro legitimava a intolerância religiosa. A transferência das peças é uma conquista do movimento Liberte Nosso Sagrado, que trouxe ao MPF a notícia de que os itens que integravam a coleção estavam armazenadas de forma inapropriada no Museu da Polícia Civil.

As peças foram apreendidas em terreiros de candomblé e umbanda - em sua maioria durante a Primeira República e a Era Vargas - e guardadas na Repartição Central da Polícia, prédio que abriga hoje a sede da Polícia Civil. Naquela época, o Código Penal de 1890 definia como crime a “prática do espiritismo, da magia e seus sortilégios”.
O inquérito civil público foi instaurado em setembro de 2017, “com a finalidade de promover o acesso aos objetos sagrados, relacionadas às religiões de matriz africana, apreendidas sob a égide do Código Penal de 1890, e tombadas pelo Iphan conforme Processo 35-T-1938; apurar o seu recolhimento e armazenamento de forma inapropriada no Museu da Polícia Civil; bem como promover, em reparação histórica pelas violações de direitos, adequada exposição e produção de conhecimento, em contexto de valorização da cultura de matriz africana”. Desde então, o MPF buscou estabelecer o diálogo entre os religiosos, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Polícia Civil e museus interessados em receber o acervo.
Entre uma série de diligências com pedidos de informações e relatórios, especialmente junto ao Iphan para a avaliação do acervo, foram realizadas três reuniões entre as partes interessadas. Religiosos de matriz africana participaram de todo o processo para que fosse possível ter uma compreensão culturalmente informada sobre o destino que deveria ser dado às peças. A última reunião, em 19 de setembro de 2019, acertou os termos principais da transferência, com a conclusão da vistoria do acervo pelo Iphan e elaboração do diagnóstico de seu estado de conservação, a confirmação do Museu da República como destinatário das peças e o encaminhamento de tratativas sobre o transporte dos itens.
Há, ainda, outras questões a serem concluídas, como um novo nome para a chamada “Coleção Magia Negra”, já que o atual é discriminatório às religiões afro-brasileiras, e a ampliação do tombamento das peças, uma vez que foi constatado que foram incorporados itens ao acervo depois do tombamento.
Fonte: MPF