Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A vitória do Butantan, apesar dos desgovernos.

 Segunda, 11 de janeiro de 2020

Professora Fátima Sousa*

Diferentemente de outros países, o Brasil teve um aviso prévio da pandemia do Covid-19 quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em 31 de janeiro de 2020. Tempo razoável para que o pais instituísse uma Coordenação Nacional, com a participação tripartite dos gestores do SUS, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (CONASS) e representantes da comunidade científica, centros de pesquisas, laboratórios oficiais, entre outros, para juntos elaborarem um plano estratégico de controle da pandemia, e se anteciparem à elaboração do Plano Nacional de Imunização (PNI), uma vez que cientistas mundo afora já haviam iniciado os testes em estudos clínicos, em mais de 50 candidatas à vacina contra o coronavírus.

No caso brasileiro, o Butantan, em parceria com estatal chinesa Sinovac, com sede em Pequim, dava os primeiros passos rumo a testagem da vacina. A Fiocruz, segue na mesma direção, em acordo com a biofarmacêutica AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford.

Mas enquanto isso, o Governo Federal segue sua toada nos movimentos anticiência e antivacina, confundindo a população ao invés de orientá-la. E o mais grave é que, nos últimos dois anos, o governo desmontou o PNI [Programa Nacional de Imunizações], colocando em risco o reconhecimento internacional da atuação do Programa, que tradicionalmente vem vacinando a população, reduzindo morbimortalidade por causas imunopreveníveis, erradicando diversas doenças.

Vale mencionar que o Brasil, em 2019, foi marcado pelo não cumprimento das metas das principais vacinas indicadas para crianças de até 1 ano, pela primeira vez, em décadas de árduo trabalho. Nesses dois anos de governo, nenhum dos seus Ministros foi capaz, nem teve autonomia ou liberdade para convocar a rede nacional para tratar dessa questão.

Apesar de tudo e das dores imensuráveis das perdas de 203.100 mil mortes e dos 8.105.790 casos, até o encerramento desse texto, o Distrito Federal não fica atrás na forma de se conduzir diante da maior pandemia da história da Saúde Pública dos últimos 100 anos. Ao contrário, dança em compasso fino com o Governo Federal, silenciando diante das suas 4.356 mortes e 258.811 casos confirmados. E a morbimortalidade que não é notificada? Quem vai responder por tantas perdas? Aqueles que estão na prisão, os investigados, ou quem os nomeou?

Alguém precisa falar a sério com a população. Não é sério decretar estado de emergência por seis meses, nos primeiros dias do governo, adiando os problemas ou criando elementos facilitadores às compras e contratações sem licitações, a exemplo da ampliação de carga horária de efetivo e contratações temporárias. Assim, parecem fáceis, as medidas anunciadas para conter a crise, mais uma vez fadadas ao fracasso.

Não é sério agir de forma diferente do que fora dito em campanha, tomando o Instituto Hospital de Base (IHB) como “ilha de excelência extensiva para toda a rede assistencial”, e criando o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IGES-DF), que em nome da eficiência e da efetividade, contrata e descontrata profissionais temporários em plena pandemia. E quem sabe dizer se as demissões se constituem em abuso de poder, e se os gestores serão responsáveis pelos seus atos em nome da administração, subdelegada pelo GDF e legitimado pela CLDF?

Nesse triste cenário do país e da capital da República, ainda há muita luta pela frente. É preciso que os partidos e parlamentares do centro esquerda, no retorno do recesso do Congresso Nacional, derrubem o veto do Presidente à emenda do ex ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), a Lei de Diretriz Orçamentária, que exigia um Plano Nacional de Vacinação, com metas claras para toda a população, com destinação de recursos carimbado.

Que Estados e municípios exijam do Ministério da Saúde a aquisição de vacinas originárias de outros países em que já foram autorizadas por suas agências reguladoras, a exemplo dos mais de 40 países que já iniciaram vacinação, como Reino Unido, EUA, Israel, Omã, Chile, Rússia, Arábia Saudita e 27 países da União Europeia. Quanto ao Brasil? Estamos fora da lista com muito atraso, se posicionando como a segunda nação em número de mortes.

Que a sociedade fique atenta aos prazos que a ANVISA tem de 10 dias para autorizar a vacinação em caráter emergencial, solicitado pelo Butantan e Fiocruz. E que se junte aos movimentos do campo da saúde coletiva, em defesa da vacina universal, com equidade, somente no SUS. Mirando no exemplo do Reino Unido, onde o governo e as empresas elaboraram acordos para não permitir que vacinas sejam compradas por clínicas privadas, não enquanto tiver uma efetiva cobertura populacional vacinada em seu Sistema Nacional de Saúde (HNS).

Que a Suprema Corte (STF) siga cobrando dos governos Federal e do DF sobre os estoques de seringas, agulhas e outros insumos estratégicos à biossegurança, evitando assim a ampliação das desigualdades no acesso à vacina e aos outros bens fundamentais à saúde e vida da população. Afinal, precisamos celebrar a vitória do Butantan, mas falta muito para as agulhas chegarem nos braços de todas as pessoas nos 5570 municípios brasileiros.

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*Fátima Sousa
Paraibana, 41 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.