Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Maria Prestes, mulher guerreira e inspiradora

Quinta, 10 de fevereiro de 2022



Exemplo de luta e de compromisso com o país e o seu povo


Por Paulo Alonso.
10 De Fevereiro De 2022


A luta pelo socialismo perdeu, no último dia 4, Maria Prestes, aos 92 anos, uma de suas guerreiras, mas seu exemplo e legado continuam a encher de esperança os que seguem levantando sua bandeira e inspiram as novas gerações que seguirão seu caminho. Partiu, assim, uma brasileira que durante décadas defendeu e levantou bandeiras por uma causa na qual sempre acreditou, desde a adolescência.

Maria, que também foi Maria do Carmo ou Altamira ou todos os nomes que precisasse usar para seguir lutando por liberdade, democracia e justiça social, foi uma comunista orgulhosa de sua luta, viúva de Luiz Carlos Prestes, o lendário Cavaleiro da Esperança, com que viveu por quase 40 anos, mãe se sete filhos, 25 netos e 23 bisnetos.

Maria viverá para sempre na memória e na luta dos que batalham por um mundo de paz e justiça. Na realidade, pela coragem, pela firmeza, pela dignidade e honradez e pelo talento como escritora e amor ao Brasil, mulheres como Maria Prestes não morrem. A sua partida deixa um exemplo de luta e de compromisso das mulheres com o país e o seu povo.

Altamira Rodrigues Sobral, conhecida como Maria Prestes, nasceu no dia 2 de fevereiro de 1930, dia de Iemanjá, como gostava de frisar, na cidade do Recife, e era filha de João Rodrigues Sobral e Mariana Ribas Pontes Rodrigues Sobral, ambos militantes do Partido Comunista Brasileiro. Ela muito cedo, aos 13 anos, se engajou na militância comunista, seguindo os passos do pai.

Viveu grande parte da sua vida na clandestinidade ou no exílio. Como militante do partido, foi designada, em 1952, aos 20 anos, para trabalhar na segurança de Luís Carlos Prestes. Pouco tempo depois, começaram o relacionamento, que duraria até a morte do líder histórico do PCB, em 7 de março de 1990. Dessa relação, nasceram sete filhos: Antônio João, Ermelinda, Luís Carlos, Mariana, Rosa, Yuri e Zóia, além de Prestes ter assumido a paternidade dos dois filhos mais velhos de Maria, Pedro e Paulo.

Desde a década de 1980, após retornar do exílio da então União Soviética, Prestes era filiado do PDT de Leonel Brizola. Após o falecimento do marido, Maria seguiu sua militância, considerada como “amiga estimada do PCdoB”. Além de militante, Maria escrevia. E suas obras de maior destaque são Meu Companheiro e O Sabor Clandestino de Maria Prestes. O último é um conjunto de crônicas sobre a década de 1970, época em que ela e o marido viveram exilados em Moscou.

Sob canto do hino A Internacional, o corpo de Maria Prestes, mulher guerreira, camarada e sensível, foi velado no salão nobre do Palácio Tiradentes, antiga sede da Assembleia Legislativa, no mesmo local onde seu companheiro, o ex-senador e líder comunista Luís Carlos Prestes, foi velado, em 1990.

Ainda na Alerj, Luiz Carlos Prestes Filho agradeceu a homenagem, dizendo: “O Brasil perde uma mulher que a vida inteira lutou pela democracia e pelo socialismo. Portanto, é muito simbólico que o presidente da Assembleia tenha tomado uma atitude tão correta de realizar o velório da minha mãe no mesmo local onde meu pai foi velado. Esse ato tem um significado, uma mensagem muito grande para o Brasil e todos aqueles que continuam a luta pela igualdade, pela fraternidade, pela liberdade”.

Prestes e Maria vão sempre seguir como exemplo de luta, de firmeza de caráter e de esperança de um mundo melhor. Maria foi uma pessoa que nasceu numa família simples, que veio do campo, que sempre tentou cultivar a simplicidade e respeito aos mais humildes, oprimidos, em defesa dos mais vulneráveis.

Por conta do movimento revolucionário, Prestes foi preso, exilado e viveu com a mulher na clandestinidade durante quase dez anos. O político ganhou o apelido de Cavaleiro da Esperança por liderar a marcha conhecida como Coluna Prestes, que percorreu o Brasil, entre 1925 e 1927, defendendo a derrubada do governo de Artur Bernardes durante a Velha República. Os militantes exigiam que se estabelecesse o voto secreto, a obrigatoriedade do ensino primário e a moralização da política.

Luís Carlos Prestes foi uma das personalidades políticas mais influentes no país durante o século 20. Perseguido e preso durante a ditadura do Estado Novo, Prestes perdeu sua companheira Olga Benário, morta na Alemanha Nazista, em uma câmara de gás, no campo de concentração de Ravensbruck, após ser entregue àquele regime pelo governo do presidente Vargas. Foi secretário-geral do PCB, de 1943 a 1980, defendendo a revolução comunista até o final da vida. Nos seus últimos anos, assistiu ao processo de abertura econômica iniciado por Mikhail Gorbatchov, na União Soviética, em 1986, e que, cinco anos mais tarde, resultaria na sua dissolução, e, também, a queda do Muro de Berlim, em 1989.

Com o fim do Estado Novo, Prestes foi anistiado, elegendo-se deputado federal pelo Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Pernambuco, mas renunciou a esses mandatos para assumir a vaga de senador pelo Rio de Janeiro, de 1946 a 1948. Em 1950, conheceu sua segunda companheira, a pernambucana Altamira, conhecida como Maria.

Após o golpe militar de 1964, teve seus direitos de cidadão novamente revogados por dez anos. Exilou-se na então União Soviética no final, regressando ao Brasil devido à anistia, em 1979.

Eu tive o privilégio de com ele estar em duas ocasiões. Lembro-me, perfeitamente, que estudante de jornalismo, em 1981, Prestes esteve na Facha (Faculdades Hélio Alonso) e fez uma palestra histórica para alunos e professores, contando, com simplicidade, sua trajetória de vida e suas lutas, em um auditório entupido. Os gestos, a fala, o olhar de Prestes e a forma com que se comunicava me impressionou vivamente. Jamais me esqueci daquele momento mágico em que pude estar com ele, apertar suas mãos e ouvir de viva voz depoimentos tão contundentes sobre política.

Anos mais tarde, e já diretor da Faculdade da Cidade, recebi Luiz Carlos Prestes, no Teatro da Cidade, para uma palestra, quando abordou a Coluna Prestes e sua crença no comunismo, dentre outros aspectos de sua vida política. Plateia lotada. Foi nessa mesma Instituição que tive a oportunidade de conviver com o professor Luiz Carlos Prestes Filho, formado em direção de filmes documentários para televisão e cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética, Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, e, como o pai, extremamente elegante no trato. Guardo postais enviados por ele de Moscou, cidade que visitei em duas ocasiões, assim como livros autografados.

Maria e Prestes tinham orgulho da família que constituíram e acreditavam na política como ferramenta capaz de transformações imprescindíveis. Viveram pela causa da liberdade, da justiça social, da igualdade entre as pessoas. Sua experiência de vida está relatada no livro Meu Companheiro — 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes.

Em 2010, Maria teve decisiva atuação na repatriação de documentos de Luiz Carlos Prestes, depositados no Arquivo da Federação Russa (ex-arquivo do Partido Comunista da União Soviética). São importantes registros históricos que agora estão guardados no Arquivo Nacional do Brasil, instituição para qual foram transferidos por sua expressa vontade: “Prestes foi um homem público e os documentos sobre sua vida e luta devem pertencer ao povo brasileiro. Todos têm que ter acesso a todos os documentos sobre Prestes”.

No ano seguinte, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher lançou um filme, com roteiro e direção da cineasta Eunice Gutman, sobre a sua vida para comemorar o Dia Internacional da Mulher, 8 de março. O Senado Federal, em 2012, reconheceu Maria do Carmo Ribeiro, a militante política Maria Prestes, como “Cidadã Nacional”, condecorando-a com o Prêmio Bertha Lutz, por sua contribuição para com a luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil.

Maria viveu uma vida difícil, marcada por perseguições, clandestinidade e exílio, mas nem por isso foi incapaz de endurecer o seu discurso ou turvar o seu humor. A matriarca preservou, até o fim, a mesma generosidade com que, na gélida Moscou dos anos 1970, abria as portas de casa aos exilados atraídos pelo aroma brasileiríssimo de uma saborosa feijoada.


Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.