Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

PARA ONDE VAI A NOSSA LÍNGUA?

Segunda, 21 de fevereiro de 2022


PARA ONDE VAI A NOSSA LÍNGUA? 

Por Fernando Tolentino*

Vejo que hoje é o Dia Internacional da Língua Materna. 
Não. Não é o da língua portuguesa. Cada povo tem a sua língua materna. 
E a data foi criada em 1999 pela UNESCO para promover a diversidade linguística e cultural entre as diversas nações do mundo.
Eu me sinto como alguém comprometido com o meu idioma. 
Mas vejo cada vez mais pessoas me enxergarem como "idiotamente comprometido com o meu idioma".
E, de fato, será que não têm ao menos uma ponta de razão? 
Será que esse meu comprometimento pode estar me afastando de pessoas a quem quero bem? Ou pelo menos a quem respeito e quero entender?
Não poucas vezes contesto o que vejo como o uso ao menos abusivo de palavras e expressões da língua inglesa e não falta quem comente que eu "não gosto de inglês". Como se eu tivesse algo contra alguém dos Estados Unidos falar inglês! Ou alguém do Canadá. Ou da Escócia. Ou de dezenas de outros países que aceitaram o inglês como língua oficial.
Escondem (preferem esconder?) que me incomoda é ver as palavras e expressões da nossa língua abusivamente substituídas por design, online, on, offline, off, check-in, check-out, check list, teen, lap top, notebook, drive in, start, e-mail, break, brunch e por aí vai.
Costumo desconfiar (e denuncio isso) ao ver o emprego em relações comerciais de business, disck jockey, chip, coffee break, delivery, download. Pra mim, o uso pode estar escondendo alguma picaretagem.
Mas, de fato, me cansa - e irrita - passar o dia ouvindo flash, crush, baby doll, backup, bike, blazer, botox, drink, drive-thru, fake news, fashion, fast food, feedback, fitness, free-lancer, freezer, hacker, hamburger, hobby, hot dog, jeans, kit, laser, login, marketing, merchandising, milkshake. Ufa! 
Ou mesmo mouse, notebook, outdoor, pen drive, scanner, shopping, short, show, software, site, smartphone, stop, stress, ticket, workshop, play list, influencer, barman, like, post. 
Pior que isso só usar uma palavra de nossa língua e o interlocutor simplesmente não entender. 
- Você tem refrigerante dietético? 
- Não. E, após alguma explicação, ouvir: "Mas temos diet e light."
Ou não nos entenderem por falarmos conexão e não  link.
Mas os atentados contra o nosso idioma já não ficam por aí. 
Sinto que estamos sendo levados à (in)comunicação ou nos submetemos a entender e usar vc, pq, tb, kd, qd, nd, abs, bj, rlx, vtnc, dms, flw, vlw, amg, dps, fdp, pqp.
Sim, pqp!
Há algum tempo li uma longa mensagem de uma amiga médica e não entendia quando vez por outra referia-se a "pacote" (pct). Não fazia sentido pra mim. Só na última linha, aliviado, percebi que ela falava de "paciente" (pct)!
 E reli todo o texto para entendê-lo.
Detenho-me para lembrar da riqueza de nossa língua, que incorporou preciosas contribuições do iorubá, de falares de nossos indígenas,  do árabe, de línguas de imigrantes europeus, até do japonês. 
Afinal, nada mais dialético que a língua, enriquecendo-se a cada dia, com gírias, novas pronúncias e aquela incorporação de palavras adaptadas à nossa grafia.
Mas como explicar a quem alfabetizamos que pronunciamos djeis e escrevemos jazz (inclusive com um duplo zz) e dizemos pítiza, mas escrevemos pizza, assim, com o mesmo duplo zz?
Enfim, neste Dia Internacional da Língua Materna, vou dormir refletindo se insisto nesse imenso romance com o nosso lindo português brasileiro ou simplesmente me rendo e digo "bye"!

Fernando Tolentino é jornalista e administrador