Sexta, 4 de janeiro de 2011
Por Ivan de Carvalho

Pouco
depois de iniciados os protestos populares no Egito contra o governo de 30 anos
(mandatos sucessivos obtidos em eleições controladas) do presidente-ditador
Hosni Mubarak, escrevi sobre o assunto neste espaço, assinalando que uma das
hipóteses que se abriam com a possibilidade do fim da Era Mubarak seria a de
que a mudança política no Egito – a mais populosa nação árabe e limítrofe de
Israel, o que a torna um elemento crítico para a paz na região e no planeta –
poderia resultar numa instabilidade político-militar e diplomática de grande
amplitude. E de agravamento progressivo, mas acelerado, vale a pena acrescentar
agora.
No
momento, o que era, quando fiz a mencionada abordagem do tema, uma
possibilidade, já se tornou uma certeza – logo chegará ao fim a Era Mubarak,
iniciada em seguida ao assassinato do ex-presidente egípcio Anwar Sadat, que
deflagrou uma guerra contra Israel e não a venceu, mas ganhou posição na
opinião pública árabe para ser capaz de assinar um acordo de paz com este país,
atraindo para acordo semelhante a Jordânia (outro país essencial no conflito
regional por ser também limítrofe de Israel).
A
questão urgente neste momento não é quantos e quais erros (foram muitos)
cometeu Mubarak no poder. Ele vai sair e a história resolverá isso algum dia,
bem como julgará a importância que teve no processo de manutenção do que, tenho
certeza, é um estado de paz provisória na região. Uma paz destinada a ser
profunda e totalmente quebrada em futuro talvez não distante. É o resultado da
rebelião, é se ela levará ao fim da paz.
Entre
as muitas questões envolvidas nos acontecimentos que se desdobram agora no
Egito (com os gigantescos protestos de rua e os não menos intensos conflitos
entre contestadores e simpatizantes de Mubarak), duas me parecem as mais
importantes. Uma, a questão dos direitos humanos, uma ferida profunda na
sociedade egípcia e, aliás, não raro com muito mais intensidade, em todos os
países árabes e na quase totalidade dos países, incluindo não árabes, nos quais
prevalece a religião islâmica.
No Egito, as
instituições islâmicas não têm responsabilidade por isto, como não tinham no
Iraque e não têm na Turquia, no Cazaquistão ou mesmo no Paquistão. Mas têm tudo
a ver – não a doutrina do Corão, mas as instituições que orbitam em torno dele
e o interpretam à sua própria maneira e à dos seus interesses – com regimes
absurdos como o que domina o Irã ou o que dominou o Afeganistão no tempo dos
talibãs. E muito a ver com o que acontece na Líbia, no Sudão e em dezenas de
outros países asiáticos e africanos.
A outra
questão: o grande perigo que há no Egito de agora é que, depois do anúncio de
Mubarak de que terminará seu mandato em setembro e não buscará outro e das
garantias de seu governo de que o filho dele, Gamal, não será candidato à
sucessão do pai e de que de setembro poderá até haver uma antecipação da
mudança para agosto, a mobilização de oposição sinta-se forte o suficiente (já
vem dando sinal dessa crença) para transformar em realidade o grito de
“Mubarak, saia já”.
Então, não
haveria clima para preparar uma “transição ordenada”, mas para uma revolução
talvez incontrolável, na qual os manifestantes insatisfeitos com a falta de
empregos, a desigualdade social e a economia decadente podem ser instrumentalizados
por facções políticas e religiosas que, no poder, cuidariam de por em prática o
que têm na cabeça – incendiar o mundo árabe e mais algumas nações islâmicas
contra Israel, que, suspeita-se, tem cerca de 200 bombas nucleares.
Então...
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Este artigo
foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.