Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Niemöller, a UDN, o salame e o PMDB

Terça, 8 de fevereiro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
Muitos dos sites e blogs de jornalistas costumam publicar, com destaque, geralmente no alto de sua principal ou única coluna, a “frase do dia”, na maioria das vezes pronunciada por alguma personalidade importante, melhor dizendo, bastante conhecida.
 
    O site do jornalista Cláudio Humberto publica, embora não no alto, não uma frase, mas um texto, que não é “do dia”, mas de todos os dias. E o texto tem méritos para obter não só a atenção que lhe dá o site mencionado, mas toda a atenção que as pessoas lhe possam dar, pois pode ser considerado um dos constituintes da manutenção da liberdade.
 
    A velha UDN – a União Democrática Nacional, que foi extinta, como os demais partidos de sua época, pelo destrutivo Ato Institucional nº 2, era considerada pela suposta “esquerda” brasileira como “de direita”, sempre a tática do velho rótulo para estigmatizar o adversário quando os argumentos a lhe serem contrapostos são fracos e incapazes de paralisá-lo. Pois a UDN tinha um slogan que poderia ser posto como “frase de todo dia” de qualquer site ou blog – “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
 
    O mesmo caminho apontou, 12 a 13 anos antes da fundação da velha UDN, o que chamei de “texto de todo dia” do site de Cláudio Humberto. O texto foi produzido em 1933 – ano da arrancada de Hitler e do seu Partido Nacional Socialista (Nazista) para a consolidação de seu poder na Alemanha – por Martin Niemöller. Sempre tive vontade de simplesmente copiar esse texto em um artigo meu, com o objetivo de, modestamente, contribuir para sua divulgação. Aí vai:
 
   "Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar...".
 
    Bem, o que pretendia fazer está feito. Estas linhas deveriam terminar aqui. Mas jornalismo tem lá seus cacoetes, entre os quais ocupar o espaço disponível. Então, pelo amor de Deus, não relacione o leitor, de modo inadequado, por falta de imerecida atenção a este repórter, o que já foi escrito com o que será.
 
    É que o texto de Niemöller nos remete, de alguma forma, a uma doutrina geopolítica e militar muito em voga do lado americano durante a Guerra do Vietnam. A chamada tática do salame. A Casa Branca, o Departamento de Estado e o Pentágono sustentavam que, se o Vietnam do Sul caísse, no confronto com o Vietnam do Norte apoiado pela União Soviética (e acabou caindo), cairiam sob domínio comunista, em seguida, um a um, como fatias tiradas de um salame, outros países do sudeste asiático. Laos, Cambodja, Tailândia... Tirando uma fatia do salame de cada vez, o impacto não seria grande e, assim, não geraria reação à altura – até que, num dado momento, já não existiria o salame.
 
    As últimas decisões presidenciais no setor elétrico, primeiro sobre o comando de Furnas, depois sobre a presidência da Eletrobrás, me pareceram a aplicação da tática do salame. No primeiro caso, parte do PMDB da Câmara indignou-se, mas o sarneyzismo do PMDB do Senado exultou. Já no caso da Eletrobrás, dançou o PMDB de Sarney, aí o da Câmara nem ligou. Foi a impressão que deram os peemedebistas. Parece que o PMDB precisa atentar para aquele texto de Niemöller. Antes que não haja mais como reclamar. Nem motivo, já que o salame terá sido todo consumido.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano