Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Salário, imposto e barganha

Quinta, 10 de janeiro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Entre muitas, o governo tem duas obrigações a cumprir. Propor ao Congresso Nacional um valor para o salário mínimo neste ano e corrigir monetariamente a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, o que permite aos contribuintes não pagarem além do que deveriam.
    A União é useira em burlar sua obrigação de corrigir a tabela do IRPF, seja ignorando o assunto, o que ocorreu anos seguidos, seja fazendo, geralmente a muito custo e depois de uma barulheira no Congresso e na mídia, uma correção em percentual inferior ao correto.
   A soma desses dois tipos de burla gerou uma defasagem acumulada que está atualmente em torno de 64 por cento, segundo cálculos de especialistas. Para se tornar justa, melhor dizendo, em acordo com a legislação, a tabela teria de ser objeto de um reajuste de 64 por cento agora.
   Mas a verdade é que ninguém esperava isso. Até umas semanas atrás, esperava-se (no sentido mesmo de que havia a esperança, nada de certeza) que o governo se dispusesse a fazer uma correção que cobrisse o aumento de preços no período de um ano.
   No entanto, a fera (refiro-me ao leão, claro) está inteiramente à vontade, solta para seu assalto anual aos contribuintes. É que a lei que determina a correção da tabela de desconto do IRPF não prevê novo reajuste no início deste ano, ao contrário do que tem ocorrido nos últimos quatro anos. Mas qual a razão de não estar na lei o mandamento para a correção agora? Simples, o governo federal e o Congresso não puseram o mandamento na lei. Não há, formalmente, o mandamento, embora exista um mandamento ético, de honestidade, de não cobrar ao contribuinte o que ele não deve. Esquecimento? Nem pensar. Foi caso pensado.
   Mas, como sempre, nessa época, quando não está previamente determinada a correção, faz-se algum barulho. Este ano tem sido ruído em surdina, mas tem sido. Acontece que o ministro da Fazenda está às voltas com a proposta de reajuste do salário mínimo (Lula deixou editada uma medida provisória fixando o valor em R$ 540,00, mas Dilma está propondo um aumento para R$ 545,00 – adjutório de pouco mais de dezesseis centavos por dia, um assombro).
   E então o que disse ontem o ministro da Fazenda? Uma coisa espantosa, que só é absorvida pela população brasileira porque ela habita o país dos absurdos. Em um país civilizado, cultural e politicamente, a declaração do ministro seria um escândalo.
   Ele simplesmente disse que qualquer correção da tabela do IRPF dependerá de acordo do governo com as centrais sindicais a respeito do valor de R$ 545,00 para o salário mínimo. As centrais estão pedindo R$ 580,00 para o salário mínimo e 6,46 de reajuste para a tabela do IRPF. A oposição propõe R$ 600,00 para o salário mínimo (mesmo valor que a coligação PSDB-DEM-PPS anunciou que daria, se vencesse a eleição que perdeu). O ministro, na verdade, está propondo uma troca: o Estado não lesará o contribuinte se as centrais sindicais fizerem um acordo com o governo sobre o salário mínimo.
   No caso, aí, o governo parece empenhado em jogar contribuintes e assalariados uns contra os outros e os contribuintes contra as centrais sindicais, o que é política, embora não de bom nível, mas usa um instrumento que não devia, pela ética, usar. A ética manda o governo promover o reajuste da tabela do IRPF independente de qualquer acordo que ele queira fazer com as centrais sindicais sobre outros assuntos.
   Diz o ministro que a correção da tabela implicaria numa perda de arrecadação de R$ 2,2 bilhões. Mas não haveria perda nenhuma. Apenas se deixaria de arrecadar o que não é devido. Os contribuintes é que não perderiam R$ 2,2 bilhões.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.