Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Da ingratidão

Sexta, 8 de abril de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Vários envolvidos no escândalo do Mensalão, o mais rumoroso de todos os casos de corrupção ocorridos no Brasil desde a chegada de Pedro Álvares Cabral – não estou afirmando que seja o maior caso de corrupção, embora certamente supere o que acabou levando à renúncia à Presidência da República o hoje senador Fernando Collor de Mello.
 
    Estou afirmando que, em matéria de barulho e de número de pessoas importantes envolvidas, foi o maior desde o Descobrimento. Não creio que os índios, que, ao contrário dos africanos subsaarianos (como ficou difícil escrever e falar depois dessa história de politicamente correto) usavam mais sinais de fumaça do que tambores para transmitir notícias hajam feito mais barulho – a respeito de alguma quadrilha de caciques e, quem sabe, morubixabas corruptos – do que o que ouvimos aí pelos idos de 2005 a respeito do Mensalão.
 
    Bem, a Câmara dos Deputados, com muitos de seus membros envolvidos no escândalo (afinal o objetivo principal da sujeira era exatamente o Congresso Nacional) e sob forte pressão da opinião pública andou cassando uns poucos, ainda que vistosos mandatos parlamentares. Houve também renúncias espertas, ainda que hilárias. E apesar de tudo isso, muitos mandatos que deviam ter sido extirpados foram poupados. E por isto teve até gente praticando a “dança da pizza” no plenário, lembra, Ângela Guadagnin?
 
    Então veio a sisuda Polícia Federal – órgão subordinado ao governo por intermédio do Ministério da Justiça – e fez uma rigorosa investigação (toda investigação policial no Brasil é rigorosa, não sei como é que os advogados desmontam seus resultados com tanta facilidade). O relatório do inquérito foi para o procurador geral da República, que apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Joaquim Barbosa, relator, acolheu a denúncia, transformando o caso em processo que abriga acusações graves, por vários crimes.
 
    Mas o ministro-relator Joaquim Barbosa achou deficiente o relatório da PF no qual o MPF baseou a denúncia. Requisitou a produção de um relatório final, que respondesse a algumas questões que haviam ficado obscuras no anterior: o Mensalão foi financiado com dinheiro público? Houve mais beneficiários do valerioduto (Mensalão)? Qual era o limite da influência de Marcos Valério no governo petista? Para as duas primeiras questões, o relatório final da PF disse sim. Quanto ao limite da influência de Valério, depreende-se, pelo relatório, que não existia. O limite, claro.
 
    Bem, há o ex-presidente. Quando o Escândalo do Mensalão estourou, ele fez saber que não sabia de nada. Mais à frente, aconselhado por Márcio Thomaz Bastos, excelente advogado criminalista e seu ministro da Justiça, adotou a tese de defesa política e jurídica de que o dinheiro que rolara no escândalo era dinheiro para campanha eleitoral e “não contabilizado”. Um crime, porém um crime eleitoral, supostamente “mais leve” – as aspas são minhas – e praticado largamente por muitos partidos e candidatos.
 
    Finalmente, saindo do governo, Lula prometeu dedicar-se a provar que o Mensalão foi uma farsa. Traduzindo: não teria existido. Agora aparece esse relatório final da PF, subordinado ao ministro da Justiça da presidente Dilma Roussef, do PT. Lula disse que se o novo relatório, agora sob exame do procurador geral da República, for incorporado aos autos do processo que tramita no Supremo Tribunal Federal, o processo “só vai ser julgado em 2050”.
 
   Que bom, hein, ex-presidente? Mas como é que um ex-presidente tão popular tem a coragem de dizer isso a um povo que gosta tanto dele, ...
 
    Ingrato.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.

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O deboche da deputada quando um mensaleiro foi salvo pelos "seus pares".