Quarta, 6 de julho de 2011
Por Ivan de Carvalho
Desde a segunda-feira está em vigor a chamada Lei das
Cautelares. É, em linguagem leiga, uma mudança radical nos pressupostos para
que uma pessoa fique sob a custódia do Estado.
Essa mudança é radical tanto no que diz respeito
às normas jurídicas que regulam a matéria como em seus efeitos, dentre os quais
está a rápida (tão imediata quanto for materialmente possível) libertação de
muitos milhares de presos.
Serão
beneficiadas pessoas que estejam presas aguardando julgamento, bem como pessoas
que estejam condenadas por cometerem crimes considerados “leves”, cujas penas
sejam inferiores a quatro anos de reclusão e que não sejam reincidentes.
Nesses casos, a prisão em estabelecimento estatal
pode ser substituída por medidas alternativas, como monitoramento eletrônico
(pulseiras ou tornozeleiras eletrônicas) ou prisão domiciliar.
De acordo com a Agência Brasil, a população
carcerária atual no país é de 496 mil pessoas, dos quais 183 mil – 37 por cento
– ainda esperam julgamento. Destas, os advogados podem requerer a soltura,
alegando que a prisão provisória é demasiado severa, e que a regra geral para
os crimes “leves” é a de aguardar o processo em liberdade.
A lei penal tem efeito
retroativo para beneficiar, de modo que as pessoas que já estiverem condenadas
por crimes cuja pena máxima seja inferior a quatro anos de reclusão podem
voltar às ruas ou, na pior das hipóteses, mudar para prisão domiciliar.
O pressuposto é o de que o
Estado – especificamente o Judiciário e as áreas carcerária e de polícia
judiciária do Executivo estejam em condições de monitorar todos esses presos
que serão libertados. E a verdade é que não estão.
Uma das coisas boas na Lei
das Cautelares é o impedimento de que pessoas que aguardam julgamento por
crimes que não são “leves” e, portanto, não serão libertados em razão da nova
lei não podem ser postas nas mesmas celas em que estejam pessoas já condenadas.
Essa mistura, que evidentemente é absurda – assim como outras que existem nas
prisões brasileiras – está proibida. Supõe-se que as Varas de Execuções Penais
e as administrações carcerárias cuidarão de fazer imediatamente a separação.
São discutíveis os
benefícios e os riscos que a nova lei traz para a sociedade. Isso terá sido
ligeiramente debatido antes e durante a elaboração da lei e certamente
suscitará mais debates, e mais intensos, provocados por sua execução.
Um aspecto do assunto, no
entanto, é decididamente ruim. A razão principal da nova lei não foi, com toda
a certeza, alguma filosofia sobre o sistema carcerário e o melhor tratamento a
ser dado aos autores de delitos. Isso, é claro, entrou nas considerações, mas o
motivo básico, decisivo, foi a disposição de esvaziar parcialmente as prisões
atualmente superlotadas e até abrir espaço para muita gente que está fora, com
mandado de prisão, e não pode ser presa porque o Estado brasileiro não tem onde
a colocar.
Esta opção de botar na rua
os autores, indiciados ou acusados por crimes “leves” para reduzir a
superlotação das prisões e abrir espaço para condenados ou supostos autores de
crimes “pesados” – em contraposição aos “leves” – significa, lamentavelmente,
que o Estado não está disposto a investir para dar ao sistema prisional
brasileiro a amplitude que a criminalidade faz necessário que tenha.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.