Terça, 10 de julho de 2012
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Ministro contesta discurso da 'Copa da iniciativa privada', tem o Pan de
2007 como exemplo negativo e se preocupa com a demora para o
financiamento de obras de mobilidade urbana
Antes de deixar o governo, Lula definiu a Copa de 2014 como “a
Copa da iniciativa privada”. Ainda em fevereiro de 2011, meses após a
declaração, o TCU soltou um relatório que apontava que 98,56% dos então
R$ 23 bilhões orçados para a Copa do Mundo (hoje a estimativa de custo é
de R$ 27,4 bilhões) seriam bancados pelos cofres públicos. O discurso
do ex-presidente é contestado pelo ministro do TCU (Tribunal de Contas
da União), Valmir Campelo, relator das obras da Copa do Mundo. “O
recurso pesado realmente é financiado pelo próprio Estado”, admite,
porém acreditando que isso é bom para o país.
Apesar do tom didático que adota na maioria das respostas e mais
preocupado em dizer a quem compete cada coisa do que em dizer como a
coisa anda, Campelo deixou claro que tem os Jogos Pan-Americanos de
2007, que custou dez vezes mais do que a estimativa inicial, como um
modelo a não ser seguido na Copa de 2014 e para isso se apega à Matriz
de Responsabilidades – documento assinado pela União, estados e
municípios que define as áreas prioritárias para investimento em
infraestrutura para a Copa e o papel de cada signatário nos
investimentos. O próprio TCU, no entanto, disse em março desde ano que a
Matriz se encontra desatualizada com relação a prazos e valores. Quatro
meses depois, a Matriz ainda não foi atualizada. “Já existe um acórdão
nosso alertando os órgãos do Poder Executivo quanto a isso. O TCU também
exerce uma função educativa e pedagógica com relação a isso”, afirma.
Sobre o preço final da Copa de 2014, Campelo diz que ainda não é
possível estimar os custos totais, porque ainda faltam outras Matrizes
de Responsabilidades como segurança pública, telecomunicações e turismo.
Mas os custos vêm subindo. Se em fevereiro de 2011 as estimativas
estavam em 23 bilhões, hoje já se fala em 27,4 bilhões como custo total
do megaevento.
Outro ponto que preocupa é o fato de que o financiamento
disponibilizado pela Caixa Econômica Federal para obras de mobilidade
urbana está quase intocado. “Em alVejo um tempo muito curto para que
algumas obras sejam concluídas”, diz. Ainda sim, Campelo garante que o
TCU tomará as providências cabíveis, caso as obras não saiam do papel.
Na época do anúncio da Copa no Brasil, o então presidente
Lula afirmou que o evento seria feito basicamente com investimento
privado. O que aconteceu?
Em primeiro lugar, eu não posso dizer porque que o presidente disse isso
ou deixou de dizer, tá certo? Isso foi o presidente que disse, os
senhores terão que indagar do presidente. Eu sei que uma Copa do Mundo,
que é um evento internacional, mundialmente conhecido como um dos
maiores eventos do planeta, não se faz exclusivamente com recurso
privado. Mesmo porque não tem como investir em melhoria direta,
totalmente, 100%, em benefício da sociedade, não existe isso, em lugar
nenhum. A iniciativa privada quer o retorno dela, porque senão ela
quebra. Agora, o recurso pesado realmente é financiado pelo próprio
Estado. Porque é o Estado que vai ficar com o benefício, com o
patrimônio.
É verdade que nos próximos meses três cidades-sedes da Copa de 2014 vão ter obras de mobilidade urbana paralisadas?
A Matriz de Responsabilidades é uma sugestão do TCU para haja um
planejamento do que se pode gastar, do que se vai gastar na Copa do
Mundo. O TCU examina a regularidade dos recursos dos empréstimos quando é
para os estados, principalmente a parte de mobilidade urbana, na parte
de vias, de ampliação de vias, de construção de viadutos… Nessa parte, o
TCU examina a sua regularidade. Quem examina as obras físicas, no caso
de mobilidade urbana, são os tribunais de contas dos estados ou
municípios. Agora, quando se trata de obras do Governo Federal, aí sim,
essa parte é fiscalizada pelo TCU. Para se examinar, por exemplo, como é
o caso dos portos, dos aeroportos, dos BRTs (Bus Rapid Transit), dos
VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), dos metrôs quando é o caso. Aí essa
fiscalização é diretamente nossa. Nós também verificamos a regularidade
do empréstimo não só do Governo Federal, como também do BNDES. Agora,
quem pode dizer se vai sair alguma obra da Matriz de Responsabilidades é
o Governo Federal. É óbvio que nós alertamos o governo de que,
provavelmente, como o desembolso da Matriz de Responsabilidades para as
obras de mobilidade urbana principalmente da Caixa Econômica Federal
está muito baixo, até agora não se liberou mais do que 6 a 8% do total,
nós ficamos preocupados e alertamos o Governo Federal de que poderá
haver algum atraso e que algumas obras poderiam não ser concluídas
dentro do prazo para a Copa do Mundo. Porque, como você sabe, as obras
que são feitas, executadas através do RDC (Regime Diferenciado de
Contratações) vão ser iniciadas, como também aquelas que não entram no
endividamento do estado ou do município, elas terão que ser iniciadas e
concluídas antes da Copa do Mundo. Se não, o próprio estado ou município
terá de arcar com a continuidade da obra. E a nossa preocupação é que
fique algum encalhe. Ao invés de melhorar o trânsito, por exemplo,
poderá ficar alguma obra que não venha a ser concluída e o estado ou
município não tenha recursos suficientes para conclusão daquela obra. E
passa-se a integrar como o endividamento da dívida. E vai subir o teto
do endividamento, ou do estado ou do município. Nós alertamos, mas não
compete ao TCU retirar ou colocar obras na Matriz de Responsabilidades,
isso é de exclusiva competência do grupo da Copa e do Ministério do
Esporte.
Mas a pergunta era se havia a possibilidade de essas obras não saírem do papel, pelas análises que o TCU vem fazendo.
Olha, a possibilidade é essa que eu já alertei. Algumas obras, como o
desembolso está muito pequeno, eu vejo um tempo muito curto para que
essas obras sejam concluídas. Uma das obras, por exemplo, é a do VLT de
Brasília. O VLT, depois de construído, tem um período de experiência, de
viagem com pesos, de testes, de quatro a seis meses. Então como ele
estava muito atrasado e verificamos que, provavelmente, outros estados
poderão estar na mesma situação, nós alertamos. Agora compete o ajuste
da Matriz de Responsabilidades. Nós apenas vamos fiscalizar porque se
não forem concluídas as obras, o TCU adotará as providências de
responsabilidade de quem não deu prosseguimento.
O ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, admitiu em junho
que pelo menos 15 das 22 obras de mobilidade urbana em cinco das seis
cidades-sede da Copa das Confederações de 2013 não ficarão prontas a
tempo. Essa possibilidade existe? Há relação com esta decisão de
cancelar as obras de algumas cidades?
Quem tem que dizer isso é o Ministério dele. Eles são os fiscais da obra
física. Se ele disse isso, é porque, certamente, ele está com o número
certo.
Se estas obras forem canceladas, o que ficará para a
população como legado? Em entrevista, o senhor afirmou que temia essa
falta de herança para o povo brasileiro para além do evento. Pode falar
um pouco sobre isso?
As obras de mobilidade urbana, como a melhoria do sistema de ônibus, são
o maior legado a ser deixado para a sociedade. Como também os
aeroportos não deixam de ser. Todos nós sabemos como está hoje a
situação dos aeroportos no nosso país…
Já é possível fazer uma estimativa total para os investimentos públicos na Copa? Qual era a estimativa inicial?
Não é possível ainda porque falta a apresentação de outras Matrizes de
Responsabilidades. Falta entrar ainda a parte de segurança pública, a
parte de telecomunicações, a parte de turismo, são estágios posteriores.
Ministro, o Pan-Americano de 2007 custou quase dez vezes mais
do que a estimativa inicial (o orçamento era de R$ 390 milhões e o
custo final foi de aproximadamente R$ 3,7 bilhões). Há o risco disso
acontecer com a Copa do Mundo também?
Olha, eu não fui o relator, mas não houve o planejamento prévio, com a
Matriz de Responsabilidades, para o Pan-Americano. A situação de hoje é
uma situação diferente. O que nós tomamos através da Matriz de
Responsabilidades foram exatamente medidas que visam prevenir, evitar
que possa acontecer o que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos. Então o
TCU está se antecipando. O TCU executa um trabalho educativo,
pedagógico. Exatamente no sentido de evitar o desperdício e que haja
desvio do dinheiro público. Por isso é que nós já economizamos quase 600
milhões de reais.
Em março deste ano, o TCU criticou a Matriz de
Responsabilidades para a Copa do Mundo classificando-a como
“desatualizada” com relação a prazos e valores. A Matriz já foi
corrigida? Há o risco de entrarem projetos que não têm relação com a
Copa na Matriz de Responsabilidades?
Estamos ainda aguardando a atualização da Matriz de Responsabilidades,
já existe um Acórdão nosso alertando os órgãos do poder Executivo quanto
a isso. O TCU fiscaliza o emprego do dinheiro público e a
responsabilidade dos gestores que cometam algum tipo de desmando, de
desvio. Mas o TCU também exerce uma função educativa e pedagógica com
relação a isso. Antes de punir, nós temos que educar. E é isso que nós
estamos fazendo.
Segundo relatório produzido pela Justiça Global, há, no
projeto do Porto Maravilha, a construção de uma sede do Banco Central.
Qual é a relação da construção do banco com as Olimpíadas?
O Porto Maravilha é uma obra que não integra a Copa do Mundo. Mas nós
colocamos num livreto nosso que tem uma obra ampla, e que vai ter uma
utilidade, apesar de não estar, não constar na Matriz de
Responsabilidades, é uma obra ampla e que vai beneficiar também para a
Copa do Mundo e as Olimpíadas. É uma obra hoje em que está previsto um
convênio com o Ministério das Cidades, contratos de repasse para a
Caixa, convênios com o Ministério do Turismo, construção da sede do
Bacen. É uma área portuária e está prevista toda a revitalização do
Porto para o Rio de Janeiro. Mas essa obra não consta na Matriz de
Responsabilidades. O PPM é uma operação urbana consorciada entre a
Prefeitura do Rio de Janeiro, o Governo Estadual, Federal e a iniciativa
privada. É um projeto que prevê uma série de melhorias para o entorno,
com o custo em torno de 72 milhões de reais.