Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 7 de julho de 2012

Em busca do bom fim


Sexta, 6 de julho de 2012 
Por Ivan de Carvalho
A romaria que fizeram ontem à igreja do Bonfim alguns candidatos às eleições municipais – na primeira sexta-feira do mês e no primeiro dia da campanha eleitoral oficial – e tudo que lá aconteceu é material que poderia dar muito o que pensar, se hoje não fosse sábado. Mas é. Então vamos dispensar vãs filosofias. Que seja o episódio considerado em seus aspectos menos complexos ou, de preferência, mais simples.

Em tempos antigos, os militantes do PC do B eram obrigados a estudar a Bíblia para aprender a contestá-la. Era um treinamento político. Isto me foi contado por um ex-militante do partido, que hoje não tem mais nenhuma relação com a sigla nem com a ideologia que ela supostamente representa. É livre pensador e os conhecimentos bíblicos que detém vieram desses estudos compulsórios.

Aliás, vale abrir parêntesis para dizer que, no PC do B, as coisas continuam sendo compulsórias e o comando continua sendo centralizado. É o que os mais sofisticados, fora do PC do B – dentro é difícil ser sofisticado – chamariam de “centralismo democrático”, que não tem nada de democrático e tudo tem de centralismo.

Por conta dessa compulsoriedade e desse centralismo, foi eliminada a candidatura da deputada federal Alice Portugal a prefeita de Salvador sem que ela sequer houvesse sido consultada. Uma candidatura que vinha sendo afirmada e reafirmada sem parar durante muitos meses pelo partido, enfaticamente confirmada poucos dias antes da eliminação pelo presidente estadual da legenda, deputado federal Daniel Almeida. E quem tomou a decisão final, que fez a agulha magnética do partido virar biruta e dar uma rabeada de 180 graus? O deputado-presidente Daniel Almeida. O comando é dele.

Fechando os parêntesis e voltando aos relacionamentos religiosos do PC do B. Se o partido, ao estudar a Bíblia, houvesse lido com atenção o profeta Isaías, não teria levado seus filiados a tanto esforço e sacrifício, pois saberia de antemão ser tudo isso inútil. Teria encontrado lá, escrita há bem mais que dois milênios, uma frase simples, definitiva: “E quebrou-se o martelo de toda a Terra”. Para bom entendedor, meia palavra basta. Não precisava o profeta falar na foice. Mas o PC do B não era bom entendedor.

Bem, quanto à romaria ao Bonfim, algumas coisas valem um registro, ressalvando-se que, segundo a Constituição, a liberdade religiosa é intocável, assim como a de opinião. Dito isto, fica-se à vontade para comentar. A candidata a vice-prefeita na chapa do petista Pelegrino, vereadora Olívia Santana, do PC do B, foi à missa e comungou, segundo o site Política Livre. Mas ela é do PC do B e o partido tem o ateísmo como um de seus princípios filosóficos mais elementares e fundamentais. Além disso, havia notícias de que ela professava a religião do candomblé. A mim não importa, mas o eleitor, ou uma parte do eleitorado, talvez queira saber: é ateia, do candomblé ou católica?

E quanto a Pelegrino, ficou discretamente na nave da igreja. Mas se queria pedir ou dar graças ao Senhor do Bonfim, não tinha motivos para que sua subida à colina fosse marcada, na descrição de Raul Monteiro, “pelo espocar de fogos e dezenas de rojões”, como se fosse ele o Próprio, desfilando no Domingo de Ramos. Deve ter feito falta o jumentinho. Quanto a ACM Neto, infiltrou-se tão bem que, se o Senhor descesse e pegasse a cruz, ele estaria no lugar e hora certa para assumir o papel de Simão, o Cireneu.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.