Terça, 10 de julho de 2012
Por
Ivan de Carvalho
O ministro da Defesa do
Brasil, Celso Amorim, qualificou ontem de “esdrúxula” a hipótese de instalação
de uma base militar dos Estados Unidos no Paraguai. Segundo ele, isto
resultaria em um isolamento ainda maior desse país em relação a seus vizinhos
do Mercosul.
Amorim foi muito enfático:
“Eu não sou ministro das Relações Exteriores, mas seria uma coisa tão esdrúxula
que resultaria no isolamento a tão longo prazo do Paraguai que acho que não vale
a pena. Não creio que ocorrerá”.
Bem, os Estados Unidos, que
não são um país inimigo do Brasil, mas são uma potência com seus interesses
geopolíticos e econômicos próprios, já estão bem instalados na Colômbia, do
ponto de vista militar. Foram para ajudar e assessorar no combate ao
narcotráfico e à narco-guerrilha das Farc, mas veio bem a calhar ser a Colômbia
vizinha da Venezuela, cujo governo é, por enquanto, o maior problema dos
norte-americanos na América do Sul.
Mas os Estados Unidos andam
há tempos – desde a destruição do World Trade Center – preocupados com a região
da “tríplice fronteira”, que, por suas especificidades, no encontro de Brasil,
Paraguai e Argentina, seria uma área propícia ao funcionamento de um centro de
terrorismo, como já notoriamente é para o contrabando. Além disso, a região tem
a hidrelétrica de Itaipu, uma base militar no Paraguai teria em seu raio de
ação o grande Aquífero Guarani e pode-se chegar a Buenos Aires, São Paulo e
Brasília em pouco tempo.
Pois bem. O parlamento do
Paraguai, dentro dos exatos termos da Constituição do país – em um processo
rápido, de aproximadamente 30 horas, pois a Constituição nada estabelece sobre
prazos, deixando esta questão para o livre manejo do parlamento – decreta o impeachment do então presidente Fernando
Lugo. Houve, na Câmara, apenas um voto contra. No Senado, o escore foi de 39 a
quatro.
O dispositivo constitucional
usado, como destacou em artigo o constitucionalista e tributarista brasileiro
Ives Gandra Martins, é um instrumento do parlamentarismo adotado deliberadamente
pelo Poder Constituinte dentro de um sistema presidencialista para evitar as
crises e rupturas que este sistema costuma produzir em todos os países que o
adotam, exceto, até aqui, nos Estados Unidos – onde a democracia forte parece
haver afastado a ruptura, embora deixando espaço para assassinato de
presidentes.
Impedido o presidente no
Paraguai, não houve ruptura. Tropas não foram às ruas, não houve sequer
protestos populares, a liberdade de imprensa não foi afetada, o vice-presidente
assumiu imediatamente e as eleições continuam marcadas sem qualquer alteração,
os Poderes Legislativo e Judiciário continuam funcionando normalmente. O
presidente podia, segundo a constituição, ser impedido por “mau desempenho”,
crimes contra o Poder Público ou crimes comuns.
Foi impedido por “mau
desempenho”. O histórico do caso, por si só, confirma o acerto do
enquadramento, não importando que se esteja a dizer que a oposição, desde o
princípio, buscava a chance de impedir o agora ex-presidente Lugo. Buscava e
achou e não havia governistas, devido ao “mau desempenho”. Mas o Mercosul e a
Unasul, zangados, resolveram “adotar medidas” contra o novo governo. Sob
isolamento na região, o Paraguai vai tender a buscar relacionamento mais longe.
O jogo supostamente esperto dos vizinhos do Paraguai pode abrir mesmo o caminho
para uma base militar dos EUA, se este país quiser mesmo isso.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.