Sábado, 14 de julho de 2012
São Paulo - Em Avatar, filme dirigido por James Cameron, o
ex-fuzileiro Jake Sully (interpretado por Sam Worthington) é
paraplégico. Mas, quando decide participar do Programa Avatar, suas
conexões neurais o conectam a um avatar e então o ex-fuzileiro consegue
andar.
No filme, isso só ocorre quando o cérebro de Sully consegue
controlar, de forma virtual, o seu avatar no belo mundo de Pandora.
No mundo real, apesar de muitos estudos científicos sobre o tema,
ainda não é possível fazer uma pessoa com as limitações de Jake Sully
voltar a andar. Mas cientistas brasileiros estimam que isso pode começar
a ocorrer em 2030. A ideia de pesquisadores do Instituto de Ciências
Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, é que um chip
seja implantado na parte mais externa do córtex cerebral. Quando for
ativado, esse dispositivo poderá comandar os movimentos de uma pessoa
com deficiência física por meio de um exoesqueleto (espécie de esqueleto
artificial feito de metais resistentes).
“À medida que um campo magnético mantido fora da cabeça se aproximasse desse chip,
ele iria se energizar e passaria a ler e enviar os comandos do cérebro
para fora, utilizando essa mesma energia”, explicou em entrevista à Agência Brasil Mario Alexandre Gazziro, professor do Departamento de Ciência da Computação da USP.
O mecanismo está em estudo por um grupo de pesquisadores de São
Carlos, do qual participa Gazziro. A pesquisa está sendo desenvolvida em
parceria com a Universidade do Sul da Flórida, nos Estados Unidos, com a
participação do professor Stephen Saddow. “Certamente essa é a solução
mais promissora para fazer com que, por meio de esqueletos mecânicos ou
robotizados, paraplégicos e pessoas com outras deficiências voltem a
andar de novo”, disse o professor da USP.
Atualmente, segundo ele, o que existe em termos de experimento nesse
sentido é a instalação de eletrodos no cérebro. “O que se faz é colocar
o eletrodo dentro do cérebro, diretamente, nos experimentos. Não está
disponível comercialmente nem [foi] aprovado pela Anvisa [Agência
Nacional de Vigilância Sanitária]”, lembrou Gazziro.
O novo chip, no entanto, funcionaria de forma semelhante ao sistema implantado no personagem Neo, do filme Matrix,
mas sem o uso de um fio. “Imagine que aquela conexão na cabeça que é
feita neles [personagens do filme] seria feita só de se chegar próximo
[à cabeça]. Esta é a nossa proposta: uma interface em que colocamos um chip dentro do cérebro e 'conversamos' com o chip só de chegarmos próximo [a ele]”, disse.
Além do chip sem fio, uma condição para que um paraplégico
volte a andar, nessa situação, será o desenvolvimento de exoesqueletos.
“Precisará ter um exoesqueleto, um esqueleto [robótico] para movimentar
perna e braço. Esse exoesqueleto teria uma antena, escondida embaixo do
cabelo. O chip seria colocado em uma região específica do
córtex. E a pessoa aprenderia a usar aquele membro eletrônico. Seria
como aprender a andar de novo”, explicou o professor. Segundo Gazziro, a
tecnologia de criação do exoesqueleto está bem encaminhada.
A pesquisa, que será desenvolvida no instituto durante três anos, pretende focar no desenvolvimento de chips
sem fio e de baixo consumo. Eles serão feitos com material
biocompatível, como o carbeto de silício, que, segundo a equipe de
pesquisa coordenada por Saddow, tem a propriedade necessária para
desenvolver uma interface cerebral.
“É um chip especificamente desenhado para ser interligado
ao córtex motor. O que fazemos aqui é uma complementação do estudo do
professor Miguel Nicolelis [que pretende construir um exoesqueleto
robótico, comandado diretamente pelo cérebro, para que pessoas com
paralisia voltem a andar], que tem conhecimento das pesquisas feitas em
São Carlos. O que fazemos é propor uma solução para tirar o fio que
atualmente seria usado em uma interface cerebral”, disse o professor.
O estudo está dividido em duas partes. A primeira aborda a
questão da biocompatibilidade, que já foi resolvida pela universidade
norte-americana. A outra, considerada um gargalo no mundo científico,
trata da redução do consumo de energia pelo chip, o que ficará a cargo
dos pesquisadores da USP. “Em parceria com o pessoal do sul da Flórida,
estamos desenvolvendo novas técnicas para baixar o consumo do chip de
forma que, nos próximos quatro ou cinco anos, consigamos ter
um com pouca energia conseguindo funcionar dentro do cérebro”, disse o
professor.
Depois de desenvolvido, o chip de baixo consumo será testado em ratos. “Nossa estimativa é que isso [implantar o chip em
ser humano com sucesso] possa vir a se tornar corriqueiro no dia a dia
em torno de 2030. O processo de validação para humanos leva mais de dez
anos. Estamos com o plano de terminar nossos chips entre 2018 e 2020. A partir daí, serão mais dez anos de estudos clínicos para poder validar para uso comercial”, explicou.
O estudo, denominado Interface Neural Implantável, foi aprovado pelo
programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, e tem apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Atualmente temos R$ 250 mil, que acabaram de ser aprovados. E estamos
pleiteando mais R$ 2 milhões nos próximos anos. Mas, como vamos usar a
fábrica de chip experimental da Flórida, esses R$ 250 mil já
vão ser suficientes para fazer os primeiros. Não estamos com carência de
recursos. Para cumprir essa meta para os primeiros chips, esse
orçamento já cobre. Mas estamos pedindo mais orçamento para aprimorar e
construir processos de fabricação industrial aqui”, disse Gazziro.
Além de possibilitar que, no futuro, pessoas com deficiência possam
voltar a andar, o projeto pretende impulsionar a pesquisa e a indústria
nacional. “Se esse projeto for bem administrado, mantendo a propriedade
intelectual e fazendo a transferência para a indústria, ajudará não só
as pessoas, mas a indústria médica no país. O interessante seria dar
incentivo para que empresas nacionais, via incubadoras, fabricassem
esses sistemas, podendo gerar renda [para o país]”, destacou
o professor.