Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Matando no peito

Terça, 23 de abril de 2013
Por Ivan de Carvalho
Esse tipo de coisas talvez só aconteça no Brasil.

O ex-ministro José Dirceu disse no começo deste mês que foi “assediado moralmente” durante seis meses pelo então ministro do STJ, Luiz Fux, que pretendia ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Dirceu garantiu que Fux prometeu absolvê-lo.

Há algum tempo, quando a campanha de Luiz Fux para chegar ao STF foi tema de noticiário, o hoje membro deste tribunal admitiu que realmente procurou pessoas em busca de apoio, entre elas José Dirceu. Mas Fux nega que haja prometido absolvição a alguém e mais especificamente a Dirceu no processo do Mensalão.

Fux admitiu que, em algum momento, quando o Mensalão foi posto na conversa por um de seus interlocutores, comentou como resposta: “Isso eu mato no peito”. Explicou à imprensa que isso significava que julgaria sem dificuldade, pela ampla experiência que tinha como magistrado. Se – aqui já é observação deste repórter – entenderam que matar no peito era absolver, que bom para Fux e que azar para os interlocutores menos inteligentes.

Aliás, se Luiz Fux houvesse “assediado moralmente” José Dirceu, inclusive com a promessa de absolvê-lo, o ex-ministro deveria, se alguma comprovação pudesse fazer, denunciar de público ou nas instâncias formais adequadas o então ministro do Superior Tribunal de Justiça. Se não conseguisse obter prova desse “assédio” e especialmente da oferta de absolvição, Dirceu poderia ter usado sua ainda enorme influência política para evitar que alguém que faz esse tipo de jogo fosse afinal elevado à Suprema Corte do país. Isto sim, seria patriotismo e espírito público.

Volto aos fatos. E o que dentre eles mais chama a atenção é que, já ministro do STF, durante todo o julgamento do Mensalão Luiz Fux fez exatamente o contrário do que Dirceu disse que ele havia antecipado que faria. Fux não só votou pela condenação de Dirceu nos dois crimes pelos quais ele foi condenado – formação de quadrilha e corrupção ativa – como foi um juiz duro em todo o julgamento, dando sempre apoio firme ao ministro-relator Joaquim Barbosa.

Só para se ter uma idéia bem nítida do entendimento do ministro Luiz Fux, refletido em seus votos. Segundo ele, José Dirceu comandou uma quadrilha que tinha como finalidade viabilizar “um projeto de poder de longo prazo de ilicitude amazônica”. Foi assim que Fux matou no peito.

Com a publicação, ontem, do acórdão de 8.405 páginas com os votos dos ministros do STF no processo do Mensalão, começa a partir de hoje a correr o prazo de dez dias para os advogados de defesa dos réus não absolvidos apresentarem embargos de declaração e/ou infringentes. A aposentadoria de ministros no curso do julgamento, modificando a composição do STF, está criando bastante expectativa quanto ao julgamento de embargos infringentes, que poderão ser usados por 12 dos réus com sentenças condenatórios, inclusive José Dirceu. Os embargos infringentes, eventualmente, podem transformar uma condenação em absolvição.

Essa expectativa não é apenas popular. Ela existe também nos meios jurídicos. Um elemento novo no julgamento dos embargos será o novo ministro Teori Zavascki, que não votou no julgamento. Ele foi pinçado pela presidente Dilma Rousseff no Superior Tribunal de Justiça e nomeado, após a aprovação do Senado, por ela para o STF.

Do STJ é também a ministra (baiana) Eliana Calmon, que se destacou com sua atuação como corregedora do Conselho Nacional de Justiça, cargo que ocupou até recentemente. Ontem ela disse acreditar que, depois de acompanhar “todo o processo como se estivesse assistindo a uma novela”, a população “vai ficar frustrada se as decisões do Supremo Tribunal Federal não forem cumpridas pelos condenados na Ação Penal 470, o processo do Mensalão”. Ela acrescentou que, como cidadã, também estará frustrada. “O STF terá que dar uma satisfação ao público, se o que decidiu vale ou não”.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.