Domingo, 28 de abril de 2013
Da Tribuna da Imprensa
Jorge Béja
A chamada Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012) é
inacreditável e inaceitável. São 71 artigos que submetem o Estado
Brasileiro à soberania da Fifa durante a Copa das Confederações (2013) e
a Copa do Mundo (2014). No seu período de vigência, o Estatuto do
Torcedor, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o Estatuto do
Idosos e muitas outras legislações nacionais deixam de prevalecer,por
inteiro, ou partes distintas.
A Fifa e a Subisidiária Fifa no Brasil, duas pessoas jurídicas de
direito privado, ficam totalmente imunes à legislação nacional. Poderia
citar muitas situações. Mas são muitas e muitas e falta espaço. Por isso
cito apenas duas: ambas instituições estão dispensadas de pagar
qualquer tributo, imposto ou taxa à administração brasileira. A elas,
todos os lucros. E delas, nenhuma obrigação tributária, fiscal, civil ou
criminal. É a União (ou seja, o Estado Brasileiro) quem deve arcar com
todas as responsabilidades, inclusive as indenizatórias.
A Advocacia-Geral da União foi investida no Poder de Jurisdição para
dirimir conflitos e demandas que sejam decorrentes dos dois eventos e a
União é obrigada, sempre, a integrar o polo passivo dos processos. Em
outras palavras, o Estado Brasileiro sempre estará sentado no banco dos
réus.
E para abrir ou sofrer processos judiciais, a Fifa e sua subsidiária
no Brasil ficam dispensadas do pagamento de custas, emolumentos, taxas,
honorários de peritos e advogados, saia vencedora ou vencida. Segundo a
Lei Geral da Copa pode-se beber à vontade, antes, durante e depois das
partidas, dentro e fora dos estádios, em afronta à proibição contida no
Estatuto do Torcedor.
Num raio de 2 quilômetros dos estádios onde as partidas de futebol
serão disputadas, passa a existir uma exceção à prática do livre
comércio, garantida na Constituição Brasileira: nenhum produto
(comestível ou não, material ou imaterial) relacionado às duas Copas
poderá ser comercializado, salvo com autorização da Fifa, única a lucrar
com o negócio. Um exemplo: se um morador pintar sua casa de verde e
amarelo e escrever uma saudação à Copa do Mundo da Fifa o morador será
preso, processado e condenado, além de ser obrigado a desfazer a pintura
e pagar indenização à Fifa. Vender um quitute caseiro, mesmo dentro de
casa, com alusão ao evento passa a ser delito de concorrência desleal e o
sujeito também é preso.
ENTRADA DE ESTRANGEIROS
Afrouxou-se, demasiadamente, a entrada de estrangeiros no Brasil, por
causa dos dois eventos (aí se inclui também a Jornada Mundial da
Juventude), tanto para assistir quanto para participar. Ninguém se
submeterá ao rigor da lei vigente. Desde a abertura até o encerramento
da Copa do Mundo de 2014, os calendários escolares é que devem se
submeter aos dias e horários dos jogos e, não, estes àqueles. Segurança,
saúde, serviços médicos, vigilância sanitária, alfândega e imigração,
estádios, acomodações, e tudo mais correm à conta e risco do Estado
Brasileiro, sem a menor responsabilidade da Fifa e sua subsidiária
brasileira.
O Dr. Hélio Fernandes mencionou as cadeiras cativas (ou perpétuas).
Elas deixam de existir durante os eventos. Essas cadeiras foram
adquiridas em função da Lei 57, de 11.11.1947, do então prefeito Ângelo
Mendes de Morais que autorizou a construção do Maracanã. Foram criados
Títulos ao portador para a formação de um fundo monetário a fim de
ajudar na edificação do estádio. Quem comprasse tinha o direito
adquirido da utilização da cadeira, para sempre. Mas isso não vale para
as duas copas, de 2013 e 2014. Tudo passa a ser exclusivamente da Fifa. E
mais, só para encerrar: no reduto dos estádios ( e cercanias de 2 km no
entorno ) é proibido expor marcas, negócios, estabelecimentos,
produtos, serviços ou praticar qualquer atividade promocional que não
sejam autorizados pela Fifa e que venham atrair, de qualquer forma, a
atenção pública nos locais dos eventos, com o fim de obter vantagem
econômica ou publicitária. Isso passa a ser crime, com detenção de 3
meses a 1 anos ou multa. Para a Copa do Mundo de 1950, as exigências da
Fifa cabiam numa página de caderno.
Para a Copa de 2014, o governo do Brasil (ex-presidente Lula da
Silva) se viu obriGado a subscrever, em 2007, a tal da “Garantia Master”
ao senhor Joseph Blatter, curvando-se a tudo aquilo que a Fifa
exigisse, por mais afrontoso que fosse à soberania nacional. Daí, feita
às pressas, foi elaborada e sancionada a Lei Geral da Copa, seguindo-se
Portarias, Atos Normativos e Decretos.
Comprei um livro que comenta a Lei Geral da Copa, artigo por artigo. O
autor começa justificando que “não houve nem há ingerência na soberania
nacional”; “que a Fifa não ofereceu ao Brasil a Copa do Mundo de 2014,
ao contrário, foi o Brasil que se candidatou…”; “que a Lei Geral da Copa
tem conteúdo específico e uma função particular destinada a substituir
os instrumentos jurídicos de direito comum que têm uma eficácia
limitada…”; “Com este singular diploma legal, nem o Brasil está
apropriando-se da Copa do Mundo, nem a Fifa está conspurgando a
soberania nacional”.
O autor do livro aprova e defende todos os artigos da lei. E nem
poderia ser diferente. O autor do livro integrou a comissão que, em nome
do governo, elaborou esta mesma lei.