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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Teratologia legislativa

Quinta, 25 de abril de 2013
                                                                  Imagem da internet
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Por Ivan de Carvalho
O PT, com ajuda de aliados, parece haver aderido de vez à teratologia legislativa. Está parindo monstros no Congresso.

         Primeiro, sob forte pressão do PT e do governo Dilma Rousseff (que é do PT), parlamentares da aliança governista na Câmara dos Deputados aprovaram o projeto de lei que põe pedras no caminho da organização de novos partidos.

         Trata-se de um esforço notoriamente casuísta para tentar inviabilizar a candidatura de Marina Silva a presidente da República, assim como embaraçar as candidaturas do socialista Eduardo Campos e do tucano Aécio Neves, ambos também aspirantes a suceder Dilma Rousseff.

         Aprovado na Câmara dos Deputados por ampla maioria governista, o projeto deve ser apreciado pelo Senado. Lá, além de um movimento de senadores que inclui alguns integrantes de legendas governistas, dois senadores do PT anunciaram que fariam restrições ao projeto. Um deles foi Jorge Viana. Ele adiantou que iria apresentar emenda para que o projeto, uma vez transformado em lei, só entre em vigor após as eleições de 2014.

         Isto foi o bastante para o PT, estupefato com a ousadia ou a inocência de seus dois senadores, correr a fechar questão pela aprovação do projeto com vigência imediata. Ora, se é para atrapalhar os principais oponentes de Dilma Rousseff nas eleições de 2014, como é que dois senadores petistas perdiam o juízo e se dispunham a desviar o punhal – como a ex-senadora Marina Silva qualificara o projeto –, a desmanchar o casuísmo, fixando a vigência para depois das próximas eleições? Coisa de doidos, mesmo.

         Mas o PT ainda não acha que basta. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, sem discussão, a admissibilidade de uma proposta de emenda constitucional (PEC). A PEC é de autoria do deputado Nazareno Fonteles, do PT e estabelece que o Congresso terá de aprovar as “súmulas vinculantes” do Supremo Tribunal Federal e as decisões do STF que julguem insconstitucionais emendas à Constituição.

          Por enquanto talvez não se possa ainda discernir se a PEC de Fonteles atende a algum desejo de vingança contra o STF por causa do resultado, até o momento, do julgamento do Mensalão ou se visa a pressionar o tribunal para que seja menos severo ao decidir se são cabíveis embargos infringentes e, em seguida, ao julgá-los, o que poderia mudar de condenação para absolvição as sentenças dadas a alguns dos principais réus pelo crime de formação de quadrilha e a um deles pelo crime de enriquecimento ilícito.

         Mais grave do que isto, no entanto, será se o objetivo dessa PEC apresentada pelo petista piauiense Fonteles integrar uma estratégia do PT para tirar o Supremo Tribunal Federal de sua frente, quando o partido ou seu governo quiser efetivar mudanças que encontram forte rejeição na sociedade brasileira e que, mais especificamente, atingem “cláusulas pétreas” da Constituição ou a contrariem em seu espírito.

         Assim, ao invés de o STF decidir, quando provocado, se uma emenda constitucional é constitucional ou não, quer a PEC ontem aprovada na Comissão de Constituição e Justiça estabelecer o absurdo, a monstruosidade: embora o STF continue com a competência de julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais, tal julgamento pode não valer. O que passaria a valer, em instância final, seria uma decisão do Congresso sobre a decisão do STF. Em síntese: ao Congresso caberá dar a última palavra sobre as emendas constitucionais que ele mesmo aprovou, com o que se anula qualquer controle externo e pode se estabelecer no país, uma ditadura da maioria. Uma ditadura da maioria congressual, substituindo o regime democrático – que é governo da maioria com respeito aos direitos da minoria, assegurados estes pela interpretação da Constituição e das leis pelo Poder Judiciário.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
 Ivan de Carvalho é jornalista baiano.