Do Instituto de Defensores de Direitos Humanos — IDDH
Instados pela Revista Veja a prestar informações sobre o
projeto “Somos Todos Amarildo”, decidimos apresentar publicamente, sem a
interferência de intermediações, um informe preliminar. Primeiramente,
cabe explicar que a iniciativa nasceu de forma espontânea, no calor das
manifestações, em uma articulação de artistas, produtores, juristas e
intelectuais interessados em ecoar e se solidarizar com a inquietante
pergunta repetida à exaustão nas ruas e redes sociais, ainda sem
resposta: “Cadê o Amarildo?”.
Inicialmente, o projeto se resumiria a arrecadar fundos para a
aquisição de uma casa em condições adequadas para a família de Amarildo.
Mas logo se viu que seu desaparecimento não era um caso isolado. O
desaparecimento de pessoas vem se mostrando como uma das questões de
maior importância dentro do debate sobre segurança pública e direitos
humanos. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança
Pública (ISP), 5.473 pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro
no ano de 2010, número que veio crescendo desde 2007, sendo a maior
parte de jovens (12-17 anos) do sexo masculino, estudantes ou
trabalhadores assalariados, com escolaridade de segundo grau incompleto,
solteiros, pardos e, em sua maioria, habitantes da capital (ISP,
2010/2013).
O caso do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, morador da Rocinha,
revela um quadro preocupante. Trata-se de um indicativo que a prática
de segurança pública militarizada adotada pelo estado do Rio de Janeiro
pode estar passando por um momento real de transição, compensando a
redução dos altos índices de execução sumária (que continuam
elevadíssimos mesmo com o decréscimo dos últimos anos) com a prática do
desaparecimento forçado, como forma de manipulação das estatísticas de
criminalidade violenta.
O desaparecimento forçado encontra especial relevância dentro das
categorias de desaparecimento justamente por representar um crime
exclusivamente perpetrado pelo próprio Estado e por caracterizar uma
violação pluriofensiva, ou seja, sua violação representa automaticamente
o desrespeito a diversos direitos humanos, como direito à vida, à
integridade física, ao devido processo legal, ao acesso à informação,
dentre outros.
Diante desta hipótese, os objetivos do projeto se ampliaram. Não se
trata mais exclusivamente de prestar solidariedade e assistência
jurídica e social à família de Amarildo, mas também colaborar para a
compreensão e enfrentamento da prática do desaparecimento forçado no Rio
de Janeiro. Ainda estamos em fase de discussão e elaboração do
pré-projeto, estatuto e Conselho de pesquisadores. Estudamos as
seguintes possibilidades de atuação: a) Pesquisa para traçar o perfil do
desaparecido forçado; b) Atendimento multidisciplinar com
encaminhamento dos familiares para atendimento psicossocial; c)
Acompanhamento jurídico de inquéritos, pedidos de justificação de morte
presumida e ações cíveis; e d) Formação e fomento de uma rede de
discussão da temática no âmbito da sociedade civil.
Pretende-se uma atuação para se garantir a memória, verdade e justiça
dos desaparecidos da democracia, o que é essencial para se buscar
qualquer medida de não-repetição e de prevenção a graves violações de
direitos humanos, como também, diante da análise dos inquéritos de
investigação, na possibilidade de atuação para obtenção de certidão de
morte presumida. Este documento é basilar para que se inicie o processo
reparatório destes familiares, pois é o reconhecimento formal do Estado
de que a pessoa está de fato morta. Tal certidão, mesmo sendo um
documento simples, tem seu acesso dificultado aos familiares.
O projeto poderá se desdobrar em objetivos específicos como enviar
informes para relatorias sobre detenção arbitrária da OEA e ONU, além do
Grupo de Trabalho para Desaparecimento Forçado e Involuntário das
Nações Unidas de casos emblemáticos de desaparecimento forçado; realizar
ações de responsabilidade cível contra o Estado para casos emblemáticos
de desaparecimento forçado; e ações para obtenção de certidão de morte
presumida de vítimas de desaparecimento.
O DDH foi escolhido para coordenar o projeto já nas primeiras
reuniões do grupo de beneméritos. Os dois eventos organizados para
arrecadar finanças e promover a ideia – leilão (08/10/13, http://is.gd/CtEk0j) e show no Circo Voador (20/11/13, http://is.gd/1XPXoi)
– captaram no total aproximadamente 310 mil reais, sendo que até o
momento apenas foram gastos 50 mil reais para a aquisição de uma casa
para a família de Amarildo (com escritura pública devidamente averbada) e
11 mil reais para reparos e compra de mobília, eletrodomésticos e
utensílios. Portanto, a quantia que será destinada propriamente ao
projeto será em torno de 250 mil reais.
Até o momento foi transferido para o Instituto o valor de 59.561,34
reais, quantia arrecadada no show de Caetano Veloso e Marisa Monte,
destes foram gastos 11.741,34 reais com a já mencionada compra de
equipamentos para a residência da família de Amarildo, restando o saldo
de 47.820 reais, que será utilizado somente quando iniciado propriamente
o projeto, a partir da formação, no segundo trimestre, de um Comitê
integrado por notáveis pesquisadores, a ser coordenado pelo DDH. O
Comitê será regido por um estatuto e terá como responsabilidades
principais a escolha, orientação e fiscalização do projeto executivo. A
maior parte do fundo arrecadado, relativa ao leilão, estará sob a
responsabilidade dos beneméritos até a aprovação do estatuto.
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2014.
João Tancredo
Presidente do DDH