Terça, 3 de fevereiro de 2015
Por Cristiano de Sales
em 03/02/2015 na edição 836 do Observatório da Imprensa
Impressiona a pouca ênfase que os jornais de maior circulação no Brasil, em
suas versões online, deram à manifestação ocorrida no sábado (31/1) num dos
principais endereços da capital espanhola. Na busca de maiores informações
sobre o ocorrido, pode-se digitar no Google, em português, a expressão
“manifestação em Madrid” e ver uma série de respostas nos direcionando a sítios
lusitanos. O número de participantes foi calculado em 100 mil
Se
quisermos ler em nossos “principais” jornais o que houve na Espanha, temos que
vasculhar os frames, as diferentes seções, e rolar um bocado a barra
lateral de navegação para encontrarmos notícias compiladas da mesma fonte dos
tais periódicos lusitanos.
A
manifestação, que teve como força propulsora as eleições na Grécia, com a
vitória do Syriza, parece não interessar muito aos periódicos que tantos
favores prestam às forças econômicas estrangeiras. Mesmas forças que sufocaram
a Grécia nisso que eles chamam de salvamento da economia da zona do euro. O
problema não são as verdades ou mentiras sobre essa questão de salvamento da
economia europeia. O problema é sempre aceitar que questões humanistas (até
onde sei, a liberdade é uma questão de humanidade) possam ser sacrificadas em
prol de um salvamento econômico. E é contra isso que os europeus começam a
sinalizar ao eleger um governo de oposição na Grécia e ao tomarem as ruas de
Madrid. E é exatamente isso que os jornais do Brasil preferem não fazer virar
debate.
Noticiar,
como fizeram o Estado de S.Paulo e O Globo, reproduzindo
agências de notícias, está bem longe de transformar um assunto em debate.
Aliás, essa manifestação não ganha destaque nem mesmo entre as notícias
internacionais desses jornais. Ela aparece como mais uma dentre as tantas
tristes notícias dos conflitos pelo mundo. Mas espera aí! Essa é uma notícia
diferente. Ela talvez seja o contraponto às notícias deprimentes de conflitos
que estamos acostumados a ver com tanta frequência (mesmo que essa manifestação
gere conflitos).
A falta de interesse
Claro,
para que haja debate sobre um fenômeno como esse é necessário tempo de digestão
das informações e amadurecimento das ideias, mas o primeiro passo não foi dado,
as informações não apareceram com o destaque que mereciam para resultarem em
interesse público.
Um
ponto, entre tantos outros de desdobramento sócio histórico, que poderia
começar a ser trabalhado na veiculação desses acontecimentos, é a demonstração,
por exemplo, das diferentes motivações com que se vai às ruas na Europa, se
comparado ao Brasil. Sem querer estabelecer uma comparação reducionista e
infrutífera entre os dois continentes, vale destacar o tipo de pautas que têm
levado os europeus às ruas. Elas são mais subjetivas, abstratas, conceituais. A
de Madrid foi convocada contra a austeridade do governo. É contra uma prática
bastante objetiva do governo? Sim, mas é também contra um conceito, uma
postura, uma ideia, uma solução.
As
manifestações no Brasil têm um perfil um pouco mais pontual: reivindica-se,
aparentemente, contra aumento de tarifas de transporte, contra falta d’água,
contra falta de moradia (todas elas absolutamente legítimas). Não significa que
por serem assim sejam menos dignas, significa que o país tem outro perfil, o de
exigir (a própria população faz isso) que as pautas sejam claras e objetivas, e
não subjetivas, ou pouco definidas. E a população exige isso muito em função da
forma como os noticiários veiculam as manifestações; muito em função de como a
mídia “fomenta” esse debate protegendo os interesses de grupos muito parecidos
com aqueles que estão agora na mira das manifestações europeias. Daí a falta de
interesse em fomentar publicamente essa discussão que em muito ajudaria a nós,
brasileiros, entendermos que nossas manifestações também não são apenas
pontuais, por 50 centavos, elas são também conceituais. Tomamos as ruas porque
cada vez menos interferimos nas decisões da res publica. Isso não
aparece no jornal.
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Cristiano
de Sales é professor de Comunicação Social
Fonte: Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br