Do Blog Náufrago da Utopia
São de extrema relevância as questões levantadas por Luís Francisco Carvalho Filho, ex-presidente da
Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos, no artigo Plantação de provas,
que reproduzo na íntegra e recomendo a todos os leitores deste blogue:
que reproduzo na íntegra e recomendo a todos os leitores deste blogue:
O Brasil é obcecado pela severidade penal, mas é brando quando cuida das polícias.
A sucursal da Folha no Rio noticiou a condenação de dois
oficiais da PM por forjarem um flagrante contra adolescente, durante
repressão a protesto em outubro de 2013.
Sabidamente inocente, o rapaz foi algemado (não havia esboçado nem um
gesto de resistência) e "conduzido" até uma delegacia. A PM plantou
morteiros em seu poder, simulando uma periculosidade irreal, e ignorou
sua menoridade, expondo-o à suspeita e ao vexame.
A vítima do singelo arbítrio, tão comum, teve sorte porque a fraude foi
percebida por testemunhas e filmada. O vídeo divulgado por O Globo subsidiou a sentença da Auditoria Militar do Rio de Janeiro e mostra, passo a passo, a construção do grotesco abuso de poder.
O policial (seu dever é a proteção das pessoas) que subtrai a liberdade
de alguém indevidamente, ainda mais falsificando dolosamente evidências
de um suposto crime, pratica ato mais grave e mais danoso do que o roubo
de R$ 100, sem violência, que aqui pode ser punido com cinco anos e
quatro meses de reclusão em regime fechado.
A condenação aos oficiais pelo delito de constrangimento ilegal,
definido no Código Penal Militar, é pequenininha: um mês e seis dias de
detenção, com sursis (suspensão condicional da pena), já que, de fato, o
encarceramento não contribuiria para a "ressocialização" dos réus, que
permanecem na ativa, prontos para, de novo, "arrepiar".
Plantar provas é corriqueiro. Armas aparecem do nada para simular
tiroteios. Drogas aparecem do nada para a extorsão de transeuntes.
Testemunhas aparecem do nada para criação de álibis ou falsos desacatos.
O que surpreende é a desproporção entre delito e pena.
Somos duros com muitos, indulgentes com outros.
Incompreensível, também, que a função policial (exercida por agentes
treinados como militares) permaneça submetida à jurisdição e às leis
militares, que consideram mais grave a homossexualidade no quartel do
que inventar flagrante nas ruas. República de bananas.
A PM age nas cidades e os abusos são praticados contra civis: por isso,
assim como os delegados de polícia, deveria estar submetida à Justiça
comum.
A única exceção, estabelecida pela lei 9.290/96, proposta por Hélio
Bicudo, marco institucional contra a impunidade, é o homicídio praticado
pelo soldado, que passou a ser julgado pelo tribunal do júri -em tese
mais isento e menos suscetível à visão e aos interesses corporativos.
Mas não se iludam. Se os mesmos oficiais fossem julgados pela Justiça
comum, a pena também seria irrisória. A lei 4.898/65, entulho deixado
pela ditadura militar, permite que abusos de autoridade sejam reprimidos
com multa.
Por que o Congresso Nacional se omite em relação às violações cotidianas das nossas polícias?
A bancada da bala prevalece, a bancada da cidadania sucumbe. Não temos
estatuto legal capaz de disciplinar a ação repressiva, prevenir excessos
e condenar com rigor os abusos cometidos.
A suavidade penal em matéria de proteção das garantias constitucionais é a senha para o desmando.
Afeta a paz pública, gera insegurança. É uma ameaça concreta e permanente a todos nós. (Luís Francisco Carvalho Filho)