Sexta, 5 de junho de 2015
Alex
Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
O
Ministério Público Federal (MPF) pretende recomendar à Justiça que suspenda a
remoção de ribeirinhos que moram em áreas que serão afetadas pela construção da
Usina Hidrelétrica Belo Monte —Ricardo Joffily/Ascom DPU
O Ministério Público Federal (MPF) pretende recomendar à
Justiça que suspenda a remoção de ribeirinhos que moram em áreas que serão
afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu,
no sudoeste do Pará. A iniciativa, que está sendo discutida com o Conselho
Nacional dos Direitos Humanos, é fruto da inspeção de dois dias que órgãos
públicos federais, entre eles o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama), fizeram na região esta semana.
“Conversamos com as pessoas que, desde o começo, sabíamos
que seriam as mais afetadas pelo empreendimento: os ribeirinhos e os pescadores
do Rio Xingu, e tivemos um choque de realidade. As dificuldades que estão tendo
são muito maiores do que imaginávamos a princípio”, disse o procurador da
República, Felício Pontes, à Agência Brasil.
Um relatório da visita está sendo produzido e será enviado
ao Consórcio Norte Energia, responsável pela construção da usina nos próximos
dias. A proposta é aguardar a manifestação do consórcio sobre os problemas
apontados pela comitiva e propostas para superá-los. Apesar disso, além de
negociar com o Conselho dos Direitos da Pessoa Humana uma recomendação conjunta
para tentar suspender as remoções até que os problemas sejam resolvidos, o
procurador adiantou já estudar a hipótese de o MPF ajuizar um processo judicial
para tentar rever os valores das indenizações que estão sendo pagas a título de
reparação financeira.
Segundo Pontes, as indenizações não são suficientes para que
as famílias de ribeirinhos e pescadores preservem suas fontes de renda e seu
padrão de vida. “Os valores são muito baixos, calculados a partir das casas de
madeira e palha onde essas pessoas moram, sem levar em conta que elas retiram
seu sustento dos locais onde vivem e pescam. As perdas resultantes da
impossibilidade de continuarem exercendo sua atividade econômica não está
contemplada nas indenizações pagas.”
De acordo com o procurador, pescadores relataram que, em
função das intervenções no Rio Xingu, a produção individual semanal caiu de 3
toneladas para 7 quilos de pescado. “É uma situação muito difícil, antes mesmo
da usina começar a funcionar. O consórcio não quer aceitar isso. Quer indenizar
as pessoas levando em conta apenas o valor das construções humildes que, muitas
vezes, não passam de uma choupana. Ou então transferir as famílias para
assentamentos urbanos nas cidades, longe do rio, onde ribeirinhos e pescadores
não terão mais sua principal fonte de sustento.”
Pontes não soube precisar o número de pessoas que podem ser
prejudicadas pelo empreendimento por não ter tido acesso ao cadastro
socioambiental dos moradores das áreas afetadas, cuja produção é
responsabilidade do consórcio e o procurador afirma não ter sido concluído. A
Norte Energia garante ter feito o levantamento completo e entregado as
informações ao Ibama para obter a autorização ambiental. Segundo o Movimento de
Atingidos por Barragem (MAB), autor das denúncias de violação dos direitos
humanos das comunidades tradicionais, mais de 3 mil famílias já cadastradas
estão sendo obrigadas a aceitar a reparação financeira, impossibilitadas de
optar pelo reassentamento.
Pontes entende que os problemas identificados pela comitiva
que visitou as comunidades afetadas violam previsões legais, como a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – da qual o Brasil é
signatário e que estabelece que os povos tradicionais devem ser consultados de
forma a preservar seus modos de vida – e as próprias condicionantes
estabelecidas pelo Ibama ao autorizar as obras. “Há uma violação das leis e das
condições estabelecidas para tornar o empreendimento viável do ponto de vista
socioambiental”.
Procurado pela reportagem, o Ibama confirmou a participação
na elaboração do referido relatório da visita, no qual serão “apurados”
eventuais descumprimentos no processo de licenciamento ambiental de Belo Monte.
O instituto disse não ter qualquer participação na definição das indenizações,
que, segundo o órgão, são negociadas entre as partes.
Em nota, a Norte Energia afirmou cumprir todas as
condicionantes estabelecidas no Plano Básico Ambiental, cuja execução é
fiscalizada pelos órgãos licenciadores. O consórcio explicou que, de fato, os
pescadores são indenizados apenas pelas benfeitorias feitas nos locais onde
vivem, e não pelas propriedades, que pertencem à União. Nas ilhas que serão
submersas, por exemplo, a Norte Energia diz não haver casas, mas sim
construções rudimentares que servem de apoio aos pescadores que param nas
ilhas. O consórcio se compromete não só a indenizar essas instalações, como a
construir outras nas ilhas que não vão ser alagadas.
Em relação ao reassentamento dos pescadores que optarem por
ser transferidos para outras áreas, a Norte Energia assegura que os locais
escolhidos estão dentro das distâncias admitidas no Plano Básico Ambiental. O
consórcio afirma não ter constatado a diminuição de peixes em consequência do
empreendimento. E lamenta que os representantes do MPF tenham permanecido por
apenas dois dias na região, “prazo insuficiente para qualquer análise
aprofundada da realidade da região”. A empresa acredita que algumas autoridades
públicas e representantes de organizações não governamentais (ONGs) combatem a
hidrelétrica de Belo Monte "por questões meramente ideológicas".
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