por Cid
Benjamin
A
experiência do Podemos, na Espanha, é interessante e deve ser acompanhada de
perto. Pode nos inspirar em muitas coisas.
Mas será
ela um novo paradigma de formas de organização partidária das forças
progressistas e de esquerda? Vale uma reflexão sobre a pergunta.
Ao longo da
história, as formas de organização partidária exitosas estiveram em sintonia e
a serviço das tarefas do momento histórico. Mas, volta e meia, esta verdade
aparentemente óbvia é atropelada por cópias acríticas de experiências exitosas
em outras realidades e momento. O resultado dessas transposições mecânicas
quase nunca foi bom.
Fonte:
site do Psol
Assim, foi
castigado pela história quem reproduziu o modelo leninista de partido, de forma
rígida, em outras realidades que não a da Rússia do início do século passado.
Da mesma forma, deu com os burros n’água quem copiou de forma acrítica outros
modelos de organização, mesmo que estes tenham servido em outros momentos e em
outros países. Basta ver as derrotas da luta armada na América Latina.
Hoje,
diante do profundo desgaste da “política” devido à forma como ela vem sendo
exercida não só no Brasil, novos caminhos têm sido buscados. Isso ocorre no
exercício em si da política, na formulação da estratégia e da tática e nas
formas de organização partidária. É natural. Mas é preciso certo cuidado, para
não comprar gato por lebre.
Nem toda
novidade significa um avanço. Algumas podem representar um retrocesso.
É claro que
um partido na segunda década do século 21 deve incorporar as riquíssimas (e nem
sempre exitosas) experiências da luta dos trabalhadores no período recente.
Deve, também, ter outras formas de organização, de intervenção política na
sociedade ou de comunicação interna, se comparado a uma agremiação de 20 ou 30
anos atrás (já nem falo nem das do início do século passado).
Assim, os
partidos – e também o nosso PSOL - precisam de um “aggiornamento”, e não só nas
formas de organização.
Mas, mesmo
com as necessárias mudanças, certas características permanecem necessárias. A
principal delas é a reafirmação do papel dos partidos políticos. Eles devem ser
um formulador coletivo de estratégias e táticas para a intervenção na
realidade. Transformá-los num meros coletores de propostas que surgem na
sociedade é apequenar seu papel e esterilizá-lo.
Assim, como
foi dito no início deste texto, a experiência do Podemos, na Espanha, deve ser
acompanhada de perto. Ela pode nos trazer ensinamentos úteis.
O Podemos
tem a sua origem em movimentos variados que ocorreram à margem dos partidos e
das instituições tradicionais e se nutriu do desgaste desses últimos e da
crítica a eles. A experiência dos Indignados – jovens que acamparam durante
semanas nas praças centrais de Madri – foi uma delas. A resistência aos
despejos de pessoas que não puderam honrar o pagamento de aluguéis ou
hipotecas, também.
O partido
traz, portanto, uma experiência muito interessante. Até porque há pontos comuns
entre a realidade de Espanha e a do Brasil hoje.
Mas há uma
tendência perigosa de tomá-lo como modelo de forma acrítica. No Rio de Janeiro,
inspirado em sua experiência – ou no que pensam ter sido ela - jovens ativistas
começaram a ser reunir nas ruas para debater problemas variados. Esses
problemas são, em geral, relacionados com questões locais, de bairro. E os
ativistas fazem a apologia do que denominam “horizontalidade”, acreditando
sinceramente ser este o caminho para evitar a aparição e o fortalecimento dos
burocratas partidários. Repudiam qualquer modelo que delegue responsabilidades
e não aceitam a existência de dirigentes.
Muitas
vezes, sequer existe uma pauta nas suas reuniões. As pessoas se inscrevem e
falam sobre o assunto que desejarem no momento em que lhes é dada a palavra.
Essas
reuniões não deixam de ter um aspecto positivo – afinal, é gente que, num
momento de confusão, se dispõe a debater problemas de alguma forma relacionados
com a política (mesmo que política, digamos, menor, localizada). Mas, são
reuniões caóticas, em que se sai de um problema para outro sem que haja
qualquer conclusão. Por isso, na maior parte das vezes são improdutivas, salvo
quando marcam alguma atividade imediata, também relacionada com questões
locais. E, passados alguns meses, os coletivos que as promovem tendem a
desaparecer.
É o que
ocorreu com os Indignados, que, felizmente, acabou contribuindo para o surgimento
de uma organização de tipo partidário.
Mas não só
nesses ativistas, com pouca experiência e formação política, houve certo
encantamento com a experiência do Podemos. Formulações de mais gabarito - como
a desenvolvida por Vladimir Safatle em artigo publicado na “Folha de S.Paulo”
em 2/6/2015, com o título “O que podemos” – também mostra isso.
Safatle é
uma das boas cabeças da esquerda brasileira. Geralmente sai da mesmice e traz
contribuições originais. Nesse artigo, como em outros, levanta questões instigantes.
No entanto, flerta com uma perspectiva espontaneísta, que, no limite, leva ao
menosprezo do papel dos partidos e à diluição de seu papel como agente coletivo
de formulação e luta por um projeto.
Um exemplo.
Falando da prefeita eleita de Barcelona, uma importante figura do Podemos,
Safatle afirma: “Ada Colau é apenas o exemplo mais visível de um processo de
uma reconfiguração contemporânea da política. Seu partido não é um partido, mas
uma plataforma cidadã, ou seja, um grupo de ativistas, professores que
constituiu uma lista eleitoral aliando-se a vários grupos e partidos como o
Podemos.”
“Os
candidatos não foram escolhidos em convenções cheias de militantes-fantasmas
filiados apenas para vencer embates internos, como acontece em tantos partidos
de esquerda e direita. Nem seus candidatos foram decididos em conchavos em mesa
de restaurante. Eles foram indicados em assembleia aberta, na qual escolhe quem
está presente.”
Examinemos
mais de perto o que afirma Safatle.
O partido
de Colau “não é um partido, mas uma plataforma cidadã”. Ora, que plataforma? É
preciso haver um mecanismo qualquer que filtre, organize e coesione as
propostas surgidas no seio do movimento e lhes dê coerência mais global. Isso é
essencial, sob pena de termos como consequência uma autêntica geleia geral, na
qual cabe (ou pode caber) tudo.
Mais: “Os
candidatos não foram escolhidos em convenções cheias de militantes-fantasmas
filiados apenas para vencer embates internos, como acontece em tantos partidos
de esquerda e direita. Nem seus candidatos foram decididos em conchavos em mesa
de restaurante. Eles foram indicados em assembleia aberta, na qual escolhe quem
está presente”.
Safatle
valoriza o fato de que não são os filiados a uma agremiação política que votam
para escolher os candidatos, mas quem estiver numa assembleia aberta, “na qual
escolhe quem está presente”.
Claro que
convenções manipuladas por burocracias partidárias, o que é comum, devem ser
repudiadas. Mas a solução não pode ser a apontada por Safatle, com base na
experiência do Podemos.
Ao
contrário do que se possa pensar, isso não é democrático.
Que se faça
uma assembleia na rua para debater problemas de uma comunidade, é ótimo. Que os
presentes votem, também. Mas um partido pressupõe certa homogeneidade de
pensamento. Ou será que apenas o repúdio à velha institucionalidade e aos
velhos partidos basta para garantir coerência ao “novo”?
Enfim, as
justas críticas às burocracias – presentes em quase todas as agremiações,
inclusive na nossa, diga-se – não podem levar à anarquia e ao repúdio a
qualquer forma e nível de hierarquia na estrutura partidária.
Até porque
– é preciso ter isso presente – sempre haverá alguém que dará um mínimo de
ordem e organização à lista anárquica de demandas variadas levantadas em praça
pública. Quem será esse alguém?
Devemos
saudar a vitória eleitoral do Podemos, acompanhar seu desdobramento, pois ela
pode abrir espaços para uma revitalização importante da política na Espanha. No
entanto, é precipitado considerar que o fato de a legenda ter tido uma
importante vitória eleitoral nas recentes eleições municipais o consagra como
novo paradigma para a organização partidária.
Seria mais
simples se tudo fosse assim.
Mas o
buraco é mais embaixo.
Fonte:
site do Psol