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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Direitos do Cidadão e Sistema Prisional. Mecanismo antitortura: MPF rebate União em processo sobre desfiguração de órgão

Segunda, 2 de setembro de 2019
Do MPF
Parecer vê violação de tratado internacional pelo Brasil; recurso vai ser julgado pelo TRF2
Foto mostra corredor de hospital psiquiátrico
Hospital psiquiátrico: foco de inspeções do MNPCT (foto: MP-BA)

O Ministério Público Federal (MPF) rebateu recurso da União contra a ordem judicial que evitou a exoneração dos 11 peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) – que fiscaliza instalações de privação de liberdade, como presídios, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos e centros militares de detenção disciplinar. A União recorreu na tentativa de cassar uma liminar concedida pela 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro e mantida pelo desembargador federal Guilherme Calmon, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). A partir de uma ação da Defensoria Pública da União (DPU), apoiada pelo MPF, a Justiça tinha suspendido o efeito de dois artigos do Decreto 9.831/2019, o que impediu a transferência dos cargos de perito para o Ministério da Economia. O recurso será julgado pela 6ª Turma do TRF2.
No parecer sobre o recurso, o MPF na 2ª Região (RJ/ES) alertou que é inconstitucional todo decreto que, para reestruturar a administração pública, gere aumento de despesa ou  represente a criação ou extinção de órgão público – essas alterações devem partir de lei de iniciativa do Executivo. Para o MPF, o Decreto 9.831 se soma às ações para obstruir o trabalho do MNPCT, como a proibição de ingresso em imóveis públicos, a tomada de celulares funcionais (usados na comunicação institucional), a extinção de e-mails institucionais e de acesso a banco de dados do Executivo federal. A retirada dos cargos em comissão, na avaliação do MPF, continuaria inválida ainda que partisse da via legislativa.

A providência efetivamente exorbita a competência constitucionalmente traçada, tendo em vista que o total desaparelhamento do MNPCT dos cargos de assessoramento previamente ocupados pelos peritos configura verdadeira extinção do órgão, eis que inviabiliza que as funções desempenhadas pelos profissionais sejam adequadamente desempenhadas”, afirmou o procurador regional da República Paulo Fernando Corrêa no parecer. “Ao assim proceder, o Estado brasileiro passa a descumprir a obrigação internacionalmente por ele assumida de 'tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos preventivos nacionais'.”

A violação do tratado internacional antitortura (Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes) também é ressaltada pelo MPF em defesa da decisão do desembargador federal Guilherme Calmon do último dia 15. Ao negar o pleito da União para se efetivar o decreto editado em junho, o relator da causa na segunda instância citou a falta de provas de que a exoneração da equipe do MNPCT não tenha causado “forte impacto nas ações de fiscalização e combate à tortura, imprescindíveis, sobretudo, nos presídios brasileiros”.

Proibição do retrocesso – O MPF salientou ainda ao TRF2 o princípio da proibição do retrocesso, aplicável em matéria de direitos humanos. Por esse princípio, o alcance da proteção de um direito admite apenas aprimoramentos e acréscimos, e não restrições, com a diminuição de sua efetividade. Esse princípio deriva de uma série de cláusulas da Constituição: do Estado Democrático de Direito; da dignidade da pessoa humana; da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais; da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica; e da proibição de emenda constitucional que tenda a atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais.