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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Resultado da Petrobras 1º tri: absurdas isenções sustentam a festa

Segunda, 9 de maio de 2022



Resultado da Petrobras 1º tri: absurdas isenções sustentam a festa

Por Cláudio da Costa Oliveira.
9 De Maio De 2022

Quem manda na estatal hoje nem são os acionistas, é o ‘mercado’

A Petrobras divulgou em 5 de maio seus resultados contábeis referentes ao 1º trimestre de 2022. Com um lucro líquido de US$ 8,4 bilhões e Geração Operacional de Caixa de US$ 10,4 bilhões, a estatal vai cumprindo com suas obrigações com o “mercado”, mas não com o povo brasileiro, sufocado e empobrecido.

Se a empresa quer atuar como empresa privada, ela deveria também ser taxada como tal. Mas não é o que acontece. Basta comparar a relação Geração de Caixa / Receita da petroleira brasileira com as demais internacionais (Exxon, Chevron, Shell, BP e Total) para verificar (pelo menos para quem entende do assunto) que existe uma enorme distorção.

Somente a renúncia fiscal com a não taxação da exportação de petróleo bruto e a isenção de Participação Especial na cessão onerosa geraram um impacto positivo para a companhia – e negativo para o povo – de mais de US$ 5 bilhões neste primeiro trimestre.

Enquanto isto, nossos parlamentares, em vez de buscarem taxar a empresa adequadamente, estudam alternativas estapafúrdias, e inócuas, não sabemos se por incompetência ou seja lá por qual motivo.

Nesta semana dois artigos nos chamaram a atenção, como relatamos a seguir:

O primeiro, publicado por Luis Nassif com o título “Faltam explicações sobre fundo de estabilização dos combustíveis”, mostra incoerências na proposta de economistas liderados por Aloizio Mercadante e conduzida no congresso pelo senador Prates para a formação de um fundo de estabilização com recursos públicos. O artigo se limita a questionar a proposta considerando os vultosos lucros que vêm sendo registrados pela estatal brasileira Petrobras.

Parece que ninguém percebe, ou fingem não perceber, que o Brasil, depois da descoberta do pré-sal, se tonou um paraíso fiscal para as petroleiras, e que antes de se falar em qualquer fundo de estabilização é preciso cancelar os benefícios já concedidos, que não existem em países sérios.

Estamos falando por exemplo da famosa MP do Trilhão, conhecida também como MP da Shell, a MP 295/2017, transformada na Lei 13.586/17, que isentou empresas estrangeiras de impostos na exploração de petróleo no Brasil até 2040.

Estamos falando na “mamata” que goza a Petrobras com a isenção de pagamento de Participação Especial na cessão onerosa, exatamente onde estão os campos de maior produção e produtividade, em que a incidência de Participação Especial teria de ser a mais elevada.

Ninguém fala em mudar a política de preços da Petrobras, o famigerado Preço de Paridade de Importação – PPI, um verdadeiro crime de lesa-pátria, que não encontra paralelo em países produtores de petróleo. Se a Petrobras utilizasse o Preço de Paridade de Exportação – PPE, beneficiaria o consumidor brasileiro, nossa economia e a própria Petrobras, que teria lucros ainda maiores. Isto não é feito porque prejudicaria o “mercado”, ou seja, os importadores e as refinarias no exterior, em especial a Shell, que vende mais de 200 mil barris por dia de combustíveis para o Brasil.

Por outro lado, o PPI é sustentado por normas e regras estabelecidos por órgãos (CNPE, ANP, Cade etc.) ao arrepio da Constituição Federal, conforme demonstrado em recente voto da Aepet na AGE/AGO da Petrobrás de 13 de abril p.p.

O segundo artigo, na verdade é uma entrevista concedida pela economista Julia Braga ao jornalista José Paulo Kupfer, que levou a título “Taxa exportação de petróleo frearia a alta de combustíveis”.

O artigo/entrevista mostra o óbvio. A vantagem que a taxação de exportação de petróleo bruto traria para o país e seu povo. Poucos sabem, mas nos Estados Unidos a exportação de petróleo bruto foi proibida por cerca de 40 anos, beneficiando a implantação de refinarias. A diferença para o Brasil é que lá eles exercem a soberania plena.

A última pergunta da entrevista foi: “Por que uma ideia tão simples, com tantas vantagens, aplicada inclusive em outros países, sofre resistências no Brasil?” Ao que a economista respondeu: “Não tenho uma resposta para isto, só sei que este debate entre os economistas tem dificuldades em deslanchar.”

A resposta para todos estes problemas nós encontramos nas palavras do ex-presidente da Petrobras general Silva e Luna, em recente entrevista ao Estadão: “Quem estabelece o preço na Petrobras é o mercado. E esta metodologia tem o apoio dos três Poderes no Brasil.”

Portanto, nem mesmo os acionistas mandam na nossa maior estatal hoje. Quem manda é o “mercado”

A atual administração da Petrobras frequentemente afirma que a empesa atualmente só investe em projetos de “classe mundial”. Podemos deduzir que “classe mundial” significa extrair petróleo sem pagar participação especial e exportar o produto sem pagar impostos. Mas isto não é só “classe mundial”, isto é “classe extraterrestre”, pois neste mundo não existe lugar com tantos benefícios.

Isto é fácil de verificar, por exemplo: nas grandes IOCs (Exxon, Chevron, Shell, Toral e BP), em 2021, a relação Geração Operacional de Caixa (GOC) / Receita Bruta (RB) media ficou em 15%. Ou seja a GOC destas empesas representou em media 15% da receita bruta. Na Petrobras, esta relação foi de 35%. Ou seja, 20 pontos percentuais maior que das demais petroleiras. Isto é causado pela baixa tributação que beneficia a Petrobras em relação às demais petroleiras.

Em 2021, estes 20 p.p. representaram mais de US$ 20 bilhões de benefícios extras. Só a isenção da participação especial na cessão onerosa significou uma renúncia fiscal de mais de US$ 8 bilhões.

Por favor, vamos falar sério.


Cláudio da Costa Oliveira é economista.