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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

BANCO CENTRAL DE PINDORAMA: INDEPENDENTE DO POVO E DEPENDENTE DO MERCADO FINANCEIRO

Sexta, 27 de outubro de 2023


BANCO CENTRAL DE PINDORAMA: INDEPENDENTE DO POVO E DEPENDENTE DO MERCADO FINANCEIRO

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 27 de outubro de 2023

Pindorama é um dos maiores países do mundo em extensão geográfica e conta com uma população de cerca de 200 milhões de pessoas. Está localizado tropicalmente no hemisfério sul. Pindorama convive com um festival de paradoxos institucionais e socioeconômicos. Trataremos de seu poderoso Banco Central. Ao BCPin, como é conhecido, compete: a) a emissão da moeda oficial (a pataca); b) a regulação e fiscalização das instituições financeiras; c) a execução da política monetária e cambial; d) o controle do fluxo de capitais estrangeiros e e) a definição da taxa básica de juros.

Em 2005, o Parlamento de Pindorama, exercendo o papel de Poder Constituinte Derivado, aprovou a Emenda Constitucional nº 666. Esse diploma legal: a) revogou a limitação da cobrança de juros reais em Pindorama, então estabelecida em 12% ao ano e b) definiu a independência do Banco Central, ao estabelecer mandatos para os dirigentes da instituição e a completa autonomia em relação ao Poder Executivo.

Um importante levantamento jornalístico, divulgado no respeitado portal Foco no Congresso, buscou identificar a atuação profissional dos dez últimos presidentes do BCPin. Todos, sem uma mísera exceção sequer, saíram diretamente da cadeira presidencial para postos de direção em grandes bancos ou vistosas consultorias voltadas para o mercado financeiro. Essa constatação reforçou a indagação acerca da tal independência do Banco Central de Pindorama. Não foram poucas as vozes que questionaram a independência do BCPin, unanimemente festejada pela grande imprensa do país.

Essas ponderações não estão lastreadas somente nas “estranhas” relações entre os dirigentes do BCPin e o mercado financeiro. São mencionadas, ainda, práticas “suspeitas” nas seguintes áreas: a) taxa de juros; b) formação de reservas internacionais; c) remuneração da sobra de caixa dos bancos e d) swap cambial.

O BCPin define periodicamente a taxa básica de juros. A de Pindorama é a segunda mais elevada do mundo nas últimas décadas. Só perde para uma tal SELIC do obscuro Brasil. Ninguém consegue oferecer uma explicação razoável para o elevado patamar da taxa de juros em Pindorama. Tentar combater uma inflação que não decorre do aumento do consumo de bens e serviços não convence nem mesmo os detentores de somente um neurônio. Ademais, a magnitude da taxa de juros definida pelo Banco Central de Pindorama implica no pagamento de uma montanha de recursos para remunerar os detentores de títulos públicos. Em 2022, o Tesouro de Pindorama pagou cerca de 100 bilhões de dólares americanos na forma de juros da dívida pública. 

Em Pindorama, apesar da existência (e vigência) de uma série de normas constitucionais e legais definidoras da ampla publicidade dos atos e negócios públicos, ninguém consegue obter uma lista das pessoas físicas e jurídicas credoras do Poder Público.

A formação das reservas monetárias de Pindorama, operada pelo seu Banco Central, é um emblemático exemplo de como se coloca o conjunto da sociedade de um país a serviço dos interesses econômicos de uma minoria privilegiada. E tudo isso quase que completamente desconhecido pela imensa maioria dos cidadãos. São dois os problemas principais nesse campo: a) o patamar claramente excessivo (cerca de 400 bilhões de dólares americanos) e b) a enorme repercussão no trilionário estoque da dívida pública interna.

O BCPin remunera diariamente a chamada “sobra de caixa” dos bancos de Pindorama, utilizando a taxa de juros por ele mesmo fixada em patamares altíssimos. Devido a esse mecanismo, fica completamente comprometida a clássica e salutar função do sistema bancário de financiar de forma civilizada a atividade produtiva envolvendo a produção e comercialização de bens e serviços. 

Sintomaticamente, o parlamento de Pindorama, dominado por forças conservadoras, reacionárias, clientelistas e fisiológicas, aprovou inúmeras limitações para despesas com o funcionalismo público, previdência social e gastos sociais de uma forma geral. Toda e qualquer tentativa de limitar a farra com os instrumentos de política monetária e cambial, e até da administração da trilionária dívida pública, sequer conseguem tramitar regularmente.

Nos contratos de swap cambial, o BCPin estabelece um compromisso de pagar ao detentor do papel a variação do dólar, acrescida de uma taxa de juros, e a receber a variação da taxa de juros interna acumulada no mesmo período. Esse instrumento, operado pelo Banco Central de Pindorama, garante a mudança de posição do dólar para investidores que não são conhecidos (a lista dos beneficiários, invariavelmente grandes agentes econômicos, é considerada sigilosa).

Por essas (e outras) razões, o economista Dowdislau Labor, único ganhador de um Nobel em Pindorama, foi categórico ao afirmar, em um importante artigo científico, que o BCPin é independente do povo e completamente dependente do mercado financeiro.

A incisiva economista Mariana Tavares da Conceição, em entrevista para a imprensa, chegou a afirmar: “O BCPin faz o que dá na telha”. Além de criticar a independência do Banco Central, a combativa economista e professora universitária destacou o baixíssimo conhecimento e a ausência de debate social em torno dos mais importantes mecanismos integrantes das políticas monetária e cambial operados pelo Banco Central.

Pindorama segue dominada por elites econômicas conhecidas pela profunda insensibilidade social. Pindorama segue pautada por uma grande imprensa completamente comprometida com os mais perversos interesses econômicos. Pindorama segue marcada por uma profunda falta de consciência, organização e mobilização dos setores populares explorados. Pindorama segue como um dos países mais desiguais e injustos do mundo. 

É recorrente a tentativa de comparar Pindorama com um curioso país chamado de Brasil. Mas aí é outra história ...