Sexta, 29 de novembro de 2013
Por Paulo Passarinho*
Publicado no Correio da Cidadania
Os últimos lances do processo do mensalão, produzidos pela decisão de
Joaquim Barbosa de iniciar a execução das penas contra os réus,
causaram fortes reações na sociedade.
A mais importante dessas manifestações de crítica certamente foi o
manifesto subscrito por juristas do quilate de Dalmo Dallari e Celso
Bandeira de Melo, assim como por intelectuais e dirigentes sindicais
ligados ao Partido dos Trabalhadores.
Neste manifesto são levantadas fortes críticas à conduta de Barbosa.
Ordem de prisões sem a devida expedição das cartas de sentença; não
respeito ao domicílio dos réus e, especialmente, ao direito da prisão em
regime semiaberto, para alguns dos condenados; além da falta de
procedimentos cautelares em relação a José Genoíno, em fase de
recuperação de uma delicada cirurgia cardíaca. As críticas são objetivas
e contundentes, com os seus autores lançando até mesmo “dúvidas sobre o
preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo”.
Os autores do manifesto também voltam a bater em uma tecla muito cara
para todos os que se alinham na defesa de alguns dos réus deste
rumoroso processo penal. Para eles, as atitudes do atual presidente do
STF se constituem em “mais um lamentável capítulo de exceção em um
julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais”.
Mais uma vez, portanto, o manifesto aproveita a ocasião para lançar
dúvidas e críticas não somente às decisões de Joaquim Barbosa, em
relação às ordens de execução das penas do mensalão. O chamado “devido
processo legal”, como um todo, também é questionado.
Não há dúvidas que muitas atitudes e decisões de Joaquim Barbosa são
questionáveis, especialmente em relação à forma e o conteúdo dessas
últimas medidas, que levaram à prisão alguns dos condenados no processo.
Entretanto, muito além do exame de tecnicalidades do processo, o que
está em jogo é a disputa política que envolve a todos os que são aliados
de alguns dos réus e que procuram a todo custo apontar erros
processuais na ação penal e injustiças que estariam sendo cometidas,
particularmente contra José Dirceu e José Genoíno.
É evidente a motivação política desse tipo de abordagem. Sempre, em
relação apenas, repito, a alguns dos réus. Afinal, nunca vi qualquer
tentativa de defesa para os réus, por exemplo, que foram condenados às
mais elevadas penas de prisão neste processo. Jamais vi nenhum tipo de
defesa, apaixonada ou não, em relação a Marcos Valério (condenado a 37
anos de prisão, sem contar o crime de formação de quadrilha, além do
pagamento de multa milionária) ou a Kátia Rabello (14 anos de prisão,
também sem se levar em conta o crime de formação de quadrilha, e multa
de R$ 1,5 milhão).
Mais emblemática ainda foi a decisão do PT – agora, parece esquecida –
que, logo após a denúncia de Roberto Jefferson, expulsou dos seus
quadros o seu ex-tesoureiro, Delúbio Soares. Se tudo não passou de um
“golpe” da direita contra o governo de Lula, por que uma medida tão dura
contra Delúbio? Além disso, por que Lula se referiu a uma traição, a
uma “punhalada nas costas”, quando da explosão do escândalo? E por que o
PT depois voltou atrás e reincorporou Delúbio às suas fileiras?
A rigor, o que ocorreu não estava escrito, nem previsto. Jamais o
lulismo imaginou que o esquema financeiro organizado viria a ser
denunciado por um dos mais destacados deputados da tropa de choque do
governo Lula, nos anos de 2003 e 2004. Justamente Roberto Jefferson, a
quem o próprio Lula defendeu, destacando que sua confiança no
ex-collorido o permitiria assinar “um cheque em branco” para ele.
Portanto, parece claro que o esquema financeiro ilegal existiu. E se
esse esquema existiu, se milhões de reais passaram a fazer parte do
circuito da política, quem os utilizou, quem decidia pela sua aplicação
ou por decisões sobre a sua distribuição? Seria apenas o Delúbio?
Essas são perguntas incômodas de serem feitas. Lula, por exemplo, já
afirmou que de nada sabia. Mas foi exatamente ele mesmo, Lula, quem
resolveu o impasse final do acordo entre o PT e o PL, em 2002,
garantindo a presença de José Alencar como candidato a vice-presidente
na chapa petista. E a “magia” de Lula – José Dirceu e Valdemar Costa
Neto, os presidentes das siglas, chegaram a declarar na ocasião que o
acordo não havia sido possível – posteriormente se soube qual foi: a
promessa de colocar R$ 30 milhões (!!!) na “caixinha” de campanha da
aliança PT-PL.
Os advogados de José Dirceu, por sua vez, desde o início do processo
afirmavam que o seu cliente jamais havia tido contato mais sério com
Marcos Valério, talvez tendo apenas ocasionalmente e socialmente se
encontrado com o publicitário. Posteriormente, com a comprovação de
sucessivas reuniões com a participação de José Dirceu e de Marcos
Valério, dentro do Palácio do Planalto, os advogados do ex-chefe da Casa
Civil foram sucessivamente recuando, até finalmente admitirem que as
reuniões, de fato, existiram, mas nelas o publicitário jamais havia se
utilizado da palavra....Mais patético, impossível.
Agora, Dirceu e Genoíno se reivindicam presos políticos, tomados de
amnésia com relação às suas responsabilidades nos últimos tempos.
Dirceu, por exemplo, virou lobista empresarial de Carlos Slim, o
bilionário mexicano, e de Eike Batista, o picareta que iludiu
espertalhões do mundo financeiro com o apoio decisivo do próprio governo
de Lula e também de Dilma. Pode ser que eles estivessem se
reivindicando como políticos da direita, assim como Jefferson, assim
como o impune FHC....Tudo é possível. Em meio ao imbróglio, e com toda a
metamorfose dessa turma, toda a cautela do mundo é pouca na análise a
ser feita. Mas é bom que se lembre: as investigações sobre as falcatruas
da privatização dos tucanos não andoaram para frente porque jamais
interessou ao lulismo mexer nesses casos.
O que estamos assistindo neste momento é apenas ao desenrolar de uma
disputa política, que busca minimizar – na ótica dos lulistas – os
prejuízos e as perdas que o processo do mensalão impõe. Contudo, não
podemos abstrair a precariedade, as falhas e as gritantes injustiças que
diariamente são praticadas pela própria Justiça, pelo dito Poder
Judiciário.
Mas, convenhamos, os melhores exemplos da injusta Justiça brasileira não devem ser pinçados desse caso do mensalão.
A injustiça da nossa Justiça é contra os pobres. Temos hoje em nossos
presídios mais de meio milhão de condenados. Desses, elevadíssimo
percentual lá está por crimes relacionados com o uso e a venda de drogas
ilegais, particularmente a maconha. A esmagadora maioria é composta por
pobres, negros, jovens e com baixa escolaridade.
Recente pesquisa aponta, também, que, em 2012, no estado do Rio de
Janeiro, 42% dos acusados de crimes (portanto, não condenados) ficaram
na cadeia sem nenhuma razão, para serem absolvidos ou condenados a penas
que não os levariam à prisão. Na verdade, o motivo desses acusados
terem ficado na prisão de forma injusta é pelo fato de serem pobres, não
terem como pagar advogados, e não terem também qualquer cobertura
decente por parte do Estado, através da Defensoria Pública. E olha que
estamos nos referindo ao “desenvolvido” Rio de Janeiro...
Enquanto isso, os ricos nadam de braçada. As grandes empresas
oligopolistas fazem o que bem entendem, em nome da liberdade de mercado.
A sonegação fiscal ou mecanismos de elisão fiscal são utilizados
largamente. Os corruptores do mundo empresarial pintam e bordam na
esfera política. Casos como o do Banestado, das relações da Delta
Construtora e de Carlinhos Cachoeira com políticos notórios do PT, do
PSDB e do PMDB, entre outros escândalos recentes, são abafados.
O objetivo parece ser o de deixar tudo como aí está. Afinal, na ótica dos ricos, em time que está ganhando não se deve mexer.
Parece que a luta política em torno do mensalão tem justamente esse objetivo: deixar tudo como aí está.
*Paulo Passarinho, economista, é apresentador do Programa Faixa Livre.