Terça, 8 de julho de 2014
FIFA é uma máfia, uma família de crime organizado. No livro, eu mostro que ela não é uma organização legítima. Os líderes são ladrões, eles dividem tudo entre eles e estava na hora de dar ao Ricardo a sua Copa do Mundo. A CBF estava falida e isso provou ao Blatter que Teixeira era justamente o tipo que ele queria para organizar a Copa do Mundo.
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Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Giulia Afiune
Em livro recém-lançado no Brasil, o jornalista britânico Andrew Jennings desnuda farsa de ingressos da Copa e avisa: os brasileiros estão pagando por uma Copa que só trará lucro para Fifa e patrocinadores. Confira aqui a entrevista e trecho do livro em primeira mão.
Em livro recém-lançado no Brasil, o jornalista britânico Andrew Jennings desnuda farsa de ingressos da Copa e avisa: os brasileiros estão pagando por uma Copa que só trará lucro para Fifa e patrocinadores. Confira aqui a entrevista e trecho do livro em primeira mão.
“Conseguir um ingresso para a Copa do Mundo é ganhar na
loteria”, resume o jornalista britânico Andrew Jennings, parceiro da
Pública, ao falar de seu novo livro “Um jogo cada vez mais sujo”,
lançado no Brasil no dia 5 de maio pela Panda Books. A FIFA novamente é o
alvo das investigações de Jennings, desta vez focada na distribuição de
ingressos por sorteio anunciada para os torcedores que, segundo ele,
esconde um mundo de negócios sujos, mercado negro e troca de favores. O
repórter também revela outro negócios ilegais que enriqueceram
dirigentes da FIFA, incluindo os brasileiros Ricardo Teixeira
(ex-presidente da CBF e do Comitê Organizador Local) e João Havelange
(ex-presidente da CBF e da FIFA).
Andrew Jennings revela esquema ilegal de venda de ingressos para a Copa do Mundo (Foto: o.canada.com)
Com um estilo descontraído e irônico, Jennings conta quem são os irmãos mexicanos Jaime e Enrique Byrom, donos do grupo Byrom PLC, acionista majoritário da Match Services e da Match Hospitality, prestadoras
de serviço para FIFA. São eles que controlam todos os negócios
relacionados a ingressos, acomodações e hospitalidade nas Copas do Mundo
da FIFA. E fazem mais: no livro, o jornalista prova que nos mundiais da
Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010, os Byrom forneceram
ingressos para o vice-presidente da FIFA Jack Warner vender no mercado
negro em troca de votos que os favoreciam no Comitê Executivo da FIFA.
Jennings recebeu e-mails do advogado dos Byrom, ameaçando processar
jornalista e editora, mas não pretende se calar. “Eu disse que se eles
continuassem, ia publicar os documentos”, contou o jornalista em
entrevista à Pública em que detalha os negócios ilegais relacionados aos
ingressos e os motivos que fazem da Copa do Mundo um pote de ouro para a
FIFA e os patrocinadores sem trazer benefícios para o torcedor.
No livro você mostra os negócios entre os irmãos Byrom e o
vice-presidente da FIFA Jack Warner nas Copas de 2006 e 2010. Em linhas
gerais, como esses negócios funcionam?
Existe um mundo negro que os fãs do futebol não conhecem, que é o
mundo dos negócios de ingressos. Há 209 associações nacionais de futebol
na FIFA, como a CBF, no Brasil. Algumas são bem honestas, mas a maioria
não é. As associações nacionais pedem ingressos aos Byrom, que os
fornecem em nome do Blatter [presidente da FIFA] e da FIFA. Os
negociadores de ingressos do mercado negro vão até essas pessoas em
diferentes países da África, da Ásia, alguns da Europa – especialmente
os do antigo bloco soviético – e conseguem os ingressos com eles.
Em 2006 na Alemanha, eu revelei que
eles estavam vendendo milhares e milhares de ingressos para Jack
Warner, que agora está sendo forçado a sair da FIFA. Foi uma grande
história, uma grande confusão, e eles fizeram isso de novo em 2010! O
Warner, [presidente] da União Caribenha de Futebol, solicitou ingressos
[por e-mail] mas copiou um negociante na Noruega! Então os Byrom sabiam
que Jack estava comprando deles em nome do cara na Noruega. E eles
copiam a correspondência para a FIFA e para a Infront, empresa do
Philippe Blatter [sobrinho do presidente da entidade]. Então todos eles
sabem o que está acontecendo.
Na Alemanha eles tiveram muito lucro, mas na África do Sul esse
mercado entrou em colapso porque ninguém queria ir para lá. É por isso
que o escritório de ingressos dos Byrom estava entrando em contato com o
Jack e com a Noruega, dizendo: “se vocês não mandarem o dinheiro logo,
nós cancelamos seus ingressos”. O Jack Warner estava comprando os
ingressos em nome do cara do mercado negro na Noruega e os Byrom
precisavam dar ingressos para ele porque ele controla pelo menos três
votos no Comitê Executivo da FIFA: se Jack, quer ingressos, ele ganha
ingressos. E o que ele dá em troca é que ele e os amigos votam em você
para que você consiga todos os contratos dos ingressos.
O que nós não sabemos é: que outros membros do Comitê Executivo ganha ingressos nessa escala?
Os Byrom conseguem os ingressos por meio do contrato que a FIFA tem com a Match?
Não, a Match é hospitalidade. Existem três diferentes contratos entre
os Byrom e a FIFA. Um é para os 3 milhões de ingressos para todos os
jogos que vocês vão ter no Brasil nos próximos meses. Esses ingressos
são para pessoas como eu e você ficarmos nas arquibancadas de concreto
gritando e torcendo pelos times. Outro é para acomodação, porque nós
estrangeiros e vocês brasileiros de outras cidades que precisam de um
lugar para ficar. Então os Byrom reservam uma grande quantidade de
quartos, perto da Copa do Mundo percebem que não venderam todos e
começam a se livrar deles.
A terceira coisa é a Match Hospitality, da qual os Byrom são
acionistas majoritários, da qual o Philippe, sobrinho do sir Blatter,
tem 5% e outros grupos também têm ações… A Match é responsável pela
hospitalidade, que são aqueles grandes e caros camarotes de vidro nos
estádios, todos novos, pagos, em sua maioria, pelos contribuintes. Tem
muito dinheiro na hospitalidade. Eu acho que vai ser um desastre porque
essas pessoas não vão vir, mas isso é outra questão.
O que os pacotes de hospitalidade oferecem e para quem eles são vendidos?
Você pode ver no artigo eu fiz para a Pública:
A hospitalidade é um bom translado para o estádio, muito espaço,
comida, bebidas…Você pode comprar até as mais luxuosas suítes
hospitalidade com uma parede de vidro para que você possa assistir um
pouco do jogo de vez em quando, quando você não está fazendo negócios.
Onde você não precisa se misturar com as pessoas comuns. Imagine ficar
no mesmo terraço que todos esses brasileiros? Urgh.
Está tudo no site deles,
com preços astronômicos. Quem compra esses pacotes são pessoas muito
ricas que levam seus amigos; executivos; e empresas que levam seus
melhores clientes ou seus melhores vendedores, como uma espécie de
prêmio. O alvo é o mercado corporativo, é uma hospitalidade corporativa.
Os contribuintes pagaram por esses camarotes de vidro luxuosos, mas
vocês não podem comprar esses pacotes. Você pode ter sorte na loteria e
conseguir um ingresso para ver um jogo, mas não vai ter dinheiro para
esse camarote a não ser que seja um brasileiro muito rico do mundo dos
negócios.
A FIFA argumenta que a Match ter o controle exclusivo das
vendas de ingressos e de pacotes de hospitalidade impede vendas não
autorizadas. Isso é verdade? Por que é interessante para a FIFA manter
esse esquema?
Isso é uma besteira. Os Byrom controlam todos os ingressos. Você vai
no site da FIFA e encontra todo tipo de lixo sobre impedir as vendas não
autorizadas, o que é ridículo, porque todo ingresso vem da porta do
fundo dos Byrom. Eu não consigo imprimi-los, você também não. Muitos
ingressos são impressos na última hora, porque agora nós não sabemos que
time vai jogar na segunda fase e em qual estádio.
Então você ouve um monte de lixo sobre como você deve comprar deles,
se não você pode ter o ingresso rasgado na entrada do estádio. Se você
compra exclusivamente dos Byrom ou de seus amigos, você vai entrar. Mas o
Warner estava comprando ingressos para outras pessoas! Ele não queria 5
mil ingressos para ele assistir à Copa da Alemanha, era para colocá-los
direto no mercado!
A FIFA diz que está policiando esse mercado paralelo de ingressos, mas não está. É como um padre que olha para o outro lado!
E os líderes da FIFA também lucram com esse esquema?
Nós não podemos provar. Eu valorizo muito os documentos. Eu ouço
histórias, vejo como Jack Warner se safou com milhares e milhares de
ingressos, será que outros líderes da FIFA fazem negócios semelhantes? É
legítimo fazer essa pergunta, mas nós não temos prova.
Os Byrom controlam todos os ingressos para a Copa do Mundo no
Brasil. Os parceiros comerciais deles aqui são o Grupo Traffic e o
Grupo Águia, que, como você mostra, tem ligações comprovadas com a CBF e
o Ricardo Teixeira. O que isso sugere?
No caso dos ingressos, o Teixeira forçou os Byrom a terem parceiros
brasileiros para que seus amigos pudessem ganhar uma fatia. Por isso
esses grupos têm alguma ação. Você encontra as referências à Traffic se
olhar os relatórios do senador Álvaro Dias [relatórios finais da CPI da
CBF, elaborados em 2001] (volume 1 – volume 2 – volume 3 – volume 4).
Isso significa que o povo brasileiro está excluído. Vocês estão
pagando pela Copa do Mundo e para vocês é dito que os ingressos vão ser
distribuídos de forma justa. Aí você descobre que todo tipo de atividade
ilegal relacionada aos ingressos está acontecendo.
Baixe aqui um trecho exclusivo do novo livro de Andrew Jennings “Um jogo cada vez mais sujo”
No livro, você faz uma analogia entre a pilha de ingressos
para a Copa do Mundo e um iceberg, mostrando que apenas a ponta está
disponível para os torcedores, enquanto, embaixo d’água, o resto é
vendido por meio de negócios ilegais. Então, o documento em que a FIFA explica a distribuição dos ingressos é falso?
Sim, porque existe um mercado negro. E se você está comprando um
ingresso de mercado negro, ele pode vir de um país africano, ou de outro
lugar. A FIFA fala sobre a ponta do iceberg, mas o fato é que existe um
outro mundo sombrio embaixo da superfície, onde existe um imenso
mercado de ingressos.
Qual é a chance de um brasileiro que ama futebol assistir o Brasil jogar no estádio na Copa do Mundo?
Gaste o seu dinheiro em uma televisão. Eles não colocam todos os ingressos na loteria! Você não pode acreditar nos gráficos,
porque não há como checá-los! Os Byrom têm todas as estatísticas! Você
pode checar o que o governo está fazendo, porque você consegue os
números, mas os Byrom não precisam publicá-los. Se eles dizem que 100%
dos ingressos estão na loteria, você nunca vai provar que isso não é
verdade.
Segundo
o jornalista, dirigente da FIFA vendia ingressos no mercado negro
(Foto: Marcello Casal Jr/Abr/ Reprodução Portal da Copa)
O ingressos do mercado negro são vendidos apenas para pessoas ricas ou para pessoas comuns também?
Pessoas como Jack Warner comprariam ingressos, mas ele os venderia
para empresas que os colocariam em pacotes com vôos e acomodação. Se
você fosse um turista na Copa do Mundo da Alemanha ou da África do Sul,
você viajaria no vôo que eles reservaram, ficaria no quarto que eles
reservaram. Mas você olharia no seu ingresso e veria que em vez do seu
nome, nele está escrito “Fred Smith”. Todo ano você ouve que eles vão
checar os passaportes, mas eles nunca fazem isso. Isso faz parte da
farsa de dizer que se você não tem seu nome no ingresso, você está em
apuros. É uma grande mentira.
O Ricardo Teixeira e o João Havelange (ex-presidente da CBF e da FIFA) têm relação com esse esquema?
O que nós sabemos é que antes de forçarmos o Teixeira a sair, eles
estava no Comitê Organizador Local, que fazia de tudo: ingressos,
estádios… Eu não sei qual fatia o Havelange ainda consegue. Ele tem 96
anos. Mas Ricardo estava lá desde o começo. Ele preparou tudo, os
negócios, tudo que tinha a ver com a Copa. Nós o forçamos a sair apenas
por escândalos externos, ele não esperava por isso. Então você pode
atribuir a ele tudo que está errado com a Copa, porque antes dele sair,
todos esses contratos já estavam sendo arranjados, não são contratos
novos. Ele diz que não tinha controle sobre o que estava acontecendo.
Ah, por favor…
O que você descobriu sobre o Ricardo Teixeira?
Eu investiguei as propinas dele na Suíça e os relatórios do Álvaro
Dias [da CPI da CBF]. As investigações nos relatórios provam que
Teixeira é um grande ladrão. Eu li todas as 500 mil palavras com a ajuda
do Google Tradutor [risos]. Você tem que fazer um ato muito criminoso
antes de entrar em uma máfia. Eu estaria errado se dissesse que a FIFA
deu a Copa do Mundo para o Brasil. Isso é besteira. Blatter deu a Copa
do Mundo para o Teixeira. Não a FIFA, o Blatter. São coisas diferentes.
A FIFA é uma máfia, uma família de crime organizado. No livro, eu
mostro que ela não é uma organização legítima. Os líderes são ladrões,
eles dividem tudo entre eles e estava na hora de dar ao Ricardo a sua
Copa do Mundo. A CBF estava falida e isso provou ao Blatter que
Teixeira era justamente o tipo que ele queria para organizar a Copa do
Mundo.
Que pessoas e organizações lucram com a Copa do Mundo?
Vocês contribuintes pagam por ela. A FIFA consegue lucrar com a
bilheteria. Todo o dinheiro da FIFA vem da Copa do Mundo, é sua grande
fonte de renda. Nos outros torneios: futebol feminino, sub-17, sub-21,
eles perdem dinheiro. Mas eles precisam fazê-los para mostrar que são
inclusivos. O Valcke prevê que a FIFA vai ganhar US$ 2,7 bilhões com a
Copa, os brasileiros ficam bravos e ele responde: “Mas nós estamos
colocando tanto dinheiro de volta”. Isso não é verdade. Quando um quarto
de hotel é alugado, isso não é colocar dinheiro, é alugar um quarto de
hotel!
Os patrocinadores, como McDonald’s, Visa, Samsung e outros conseguem
uma maravilhosa isenção fiscal de 12 meses pela “lei da FIFA”. O Romário
lutou contra ela, mas a Dilma forçou sua aprovação. A isenção fiscal
para eles é um fardo para vocês. Se eles não pagam os impostos, vocês
pagam. Eles estão roubando vocês! Essas empresas, como a Coca-Cola e a
Samsung, estão vendendo produtos e não há impostos! Não tem motivo! Se
eu for começar uma empresa em São Paulo, eu tenho isenção fiscal? Não,
não tenho.
Então a Copa do Mundo é um pretexto para eles lucrarem?
Eu acho que nós poderíamos ter um campeonato mundial de futebol sem
eles. Nós não precisamos desse nível de pessoas não transparentes só se
preocupando com eles e com seus associados comerciais. Só o dinheiro da
venda dos direitos televisivos, que você conseguiria legitimamente, é
suficiente para pagar pela Copa do Mundo. As emissoras pagam uma fortuna
para transmitir. Você não precisa de negócios por baixo dos panos com
patrocinadores ou isenções fiscais especiais.
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