Quarta,
30 de julho de 2014
por NINJA
Nunca antes a palavra “desproporcional” foi tão mencionada
no debate nacional. Tudo começou quando, em consonância com boa parte da
diplomacia internacional, o termo foi utilizado pela presidenta Dilma
Rousseff (PT) para qualificar a ação do Estado de Israel no Oriente
Médio. A postura do governo brasileiro irritou um ministro israelense, que
rebateu: “Uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante
econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático”.
Desde então, a atenção à questão palestina no Brasil
aumentou, não apenas nas redes sociais, com um número cada vez maior
de acalorados espaços de debate virtual, mas também nos grandes
veículos de comunicação. O massacre promovido pela ideologia sionista que move
o jovem Estado de Israel fica mais evidente aos olhos
do público, dos governos e dos organismos internacionais justamente pela
desproporção nos ataques: mil palestinos mortos contra menos de 50 israelenses
desde o início da atual crise.
É obviamente saudável uma relevância maior da questão
palestina na agenda política brasileira e mundial. Mas revela uma cegueira
inexplicável: as periferias das grandes cidades brasileiras sofrem também com
um revoltante massacre, promovido pelas Polícias, contra a população
pobre e negra, como reafirmam ano após ano os mapas estatísticos
da violência estatal. A questão, no entanto, é tratada com um silêncio mórbido
nos grandes veículos de comunicação e ignorada no debate político.
O Estado de São Paulo é um caso curioso. Na capital,
diversas manifestações pró-Israel, pró-Palestina e pela coexistência pacífica
aconteceram. Os grandes jornais da região aumentaram como nunca o número de
reportagens sobre o assunto e seus colunistas se empenharam em duvidosas
análises do conflito.
Mas e a Polícia Militar de São Paulo?
O fato é que apenas a Polícia Militar de São Paulo matou
317 pessoas desde janeiro de 2014. E o dado só leva em conta policiais
que mataram em serviço. Os assassinatos cometidos por policias de folga ou pela
atuação dos grupos de extermínio compostos por agentes estatais não foram
contabilizados.

Policiais com armadura 'Robocop' como ficaram conhecidos
durante protestos da Copa. Foto: Michel Nebonta
É o maior índice de letalidade policial desde 2003. Há 11
anos, portanto, os gatilhos comandados pelos homens de farda não tinha tanta
eficiência para exterminar a população. Os policiais mortos, histórico pretexto
para a escalada da violência estatal, foram apenas seis, desde janeiro deste
ano. Para o secretário de segurança pública do estado de São Paulo, Fernando
Grella, os dados têm de ser relativizados. Para a grande mídia, os dados não
merecem capa – ao contrário de conflitos distantes, que não ameaçam o atual
estado de coisas onde vivemos.
Chamar o Brasil de “anão”, como fez um desrespeitoso
e descabido ministro israelense, é um erro. O problema não é de nossa
diplomacia – ela, por sinal, poderia questionar o Estado de Israel mais que
na esfera política, mas também em âmbito econômico, regulando os acordos
bélico-industriais -, e sim da total indiferença ao genocído que, como na
Palestina, acontece no Brasil.