Domingo, 27 de julho de 2014
De brasiledesenvolvimento
por Edemilson Paraná
O primeiro esboço de um balanço político sobre a Copa do
Mundo no Brasil
Prometi que passaria todo esse período sem fazer um
comentário sequer sobre a Copa e…consegui.
É que nesses períodos, com raras e honrosas exceções,
abundam análises políticas e/ou esportivas absolutamente fracas e imediatistas
sobre o minuto que acabou de transcorrer, comentários irracionais, raivosos
e/ou vazios, sem falar no apagamento, cada vez mais previsível, da linha tênue
que separa a celebração social de um momento divertido com amigos e família da
mera exposição exibicionista e narcisista em busca de atenção e reconhecimento.
Desanimado com a Copa no Brasil, que tanta atrocidade
produziu para os mais necessitados, e disposto a não fazer parte do improdutivo
espetáculo das mídias sociais a respeito, resolvi me focar no que era mais
importante. A experiência não poderia ter sido melhor. Convenhamos, o próprio
Facebook, com seus algorítimos sociais, hiper-imagetização de tudo, travas e
links patrocinados, está se tornando uma chatice só, um espetáculo de
irrelevância. Em raras ocasiões há um bom debate. Em termos de interação,
estamos cada vez mais direcionados para o que querem de nós e cada vez menos
para o que queremos deles. Essa sensação, que não é só minha, pode fazer o
próprio Facebook ter de pagar um preço em breve. Mas isso é outro papo.
Feita a ressalva, Copa finalizada, algumas coisas começam a
decantar. Hora, talvez, para um primeiro balanço rápido na rede.
1- Ninguém de fato se deu bem politicamente com a Copa. O
resultado no jogo da capitalização política é zero a zero.
O governismo, que hora (sobretudo no começo da Copa)
imaginou envolver o país numa onda de ufanismo oficial da “pátria de chuteiras”
na “Copa das copas”, mantendo a velha tradição brasileira de instrumentalizar
politicamente o Futebol – que se tornou paradigmática na Ditadura – teve de
recuar com a derrota do Brasil e os esgotos de cartolagem da FIFA e da CBF que,
não haveria de ser diferente, vieram à tona no transcorrer do evento. A
oposição de direita, por outro lado, não viu confirmado seu alarmismo
catastrófico no que se refere à organização do evento que – excetuados os
graves absurdos que comentarei abaixo – foi, sim, bem-sucedida, de modo geral,
aos olhos da população. A oposição de esquerda, por sua vez, na justa denúncia
dos abusos e absurdos relacionados à realização do evento, ficou refém da
conjuntura adversa: entre feriados, churrascos programados, festas, bebidas,
bons jogos na TV e a luta vã por obter algum ingresso que fosse, as pessoas não
estavam muito dispostas a dar atenção para reclames que já conheciam e que já
estavam, em sua maioria, relativamente conscientes. A sensação era a do “ok, já
tá feita a m…, agora vamos ao menos curtir um pouco isso aqui”. A gente ama
futebol, afinal. Nesse cenário, os que apostaram no movimento “Não vai ter
Copa” tiveram ainda mais dificuldades. Acabaram isolados, previsível e
injustamente massacrados pela repressão, que sofisticou-se e muito como
“legado” da Copa.
2- Se a capitalização política foi zero, o estrago social
permanece e deve cobrar sua conta.
Os altíssimos gastos em elefantes brancos (por vezes
super-faturados) como os estádios em Cuiabá, Manaus e Natal (e mesmo, em menor
medida, os de Recife ou Brasília) não devem ser esquecidos. Um mal-estar, uma
“ressaca” da Copa pode estar chegando. Obras de infra-estrutura abandonadas ou
não concluídas (certamente as mais importantes para a vida da população) podem
adicionar outros elementos a esse sentimento. Restam ainda os despejos e
remoções de milhares de famílias de suas casas, e a intensificação
crescentemente sofisticada da brutalidade policial e do Estado de Sítio, que se
instalou em alguns lugares, para evitar manifestações. A dimensão dessa ressaca
e o que ela pode produzir? Difícil saber.
3- Um novo ciclo? Para os movimentos sociais, aprendizado e
o início da formação de uma nova geração.
Algumas vitórias surgiram no meio do caminho. É o caso do MTST
– Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que teve atendidas algumas de suas
reivindicações depois de luta independente, organizada, com direção clara,
propostas objetivas, estratégia bem desenhada e aplicada a partir de um local
de classe bem definido. Igualmente notável foi a articulação nacional e
internacional dos Comitês Populares da Copa, que cumpriram importante papel no
início das Jornadas de Junho e na Copa das Confederações mas que, ao fim, em
alguns lugares, acabaram cedendo ao ONGuismo ou ao espontaneísmo. Para os
profetas do ativismo espontaneísta da ação direta, essa realidade pode ainda
ser didática. As apostas no movimento “Não vai ter Copa”, se fizeram algum
sentido em junho passado, acabaram completamente isoladas diante da conjuntura
adversa e, dessa forma, terminaram como presas fáceis nas garras da brutal
repressão, que só se sofistica mais e mais desde junho passado, como um dos
nosso principais “legados” do evento. Mas mesmo os “indignados” brasileiros
tiveram um papel importantíssimo nessa história toda: ajudaram a quebrar a
letargia na luta política, mostraram a importância de lutar e resistir,
questionaram o pacifismo despolitizado e impulsionam a formação (na alegria e
na tristeza) de uma nova geração de militantes. Conforme escrevi há vários
meses, discordo da tática. Mas sei exatamente de que lado combato. E jamais
aceitarei jogar água no moinho da repressão. Há quem aposte, por fim, após a
falência política do ciclo petista nos movimentos sociais, que podemos estar
entrando em uma nova fase no que se refere ao ativismo e à construção dos
movimentos sociais brasileiros. Talvez seja verdade, mas a estrada ainda é
longa e confusa e, também por isso, teremos de percorrê-la buscando ao máximo a
unidade.
4- Eleições. Poucos poderão explorar a Copa, mas Dilma terá
dificuldades e as oposições se fortalecem.
Tudo somado, com a economia dando sinais sérios de
problemas, as eleições prometem ser duras para o Governo. Parte das oposições
de direita, que até ontem voluntariosamente estavam ao lado do PT, podem, como
num passe de mágica, mudar de lado ao sabor do vento. Algumas já fazem isso
agora mesmo. A oposição de direita tradicional, representada na chapa do PSDB,
se fortalece e ganha e espaço com os desgastes do governo em várias áreas. Representa
um risco, portanto, crescente. Os projetos de PT e PSDB para o Brasil são
diferentes, sim, em várias áreas, mas não são propriamente antagônicos. Na
maioria dos Estados sequer são diferenciáveis. Mas é patente que são formas
relativamente distintas de gerir o capitalismo brasileiro (com suas vantagens e
desvantagens de parte à parte; e há quem tema mais, como eu, as desvantagens no
que se refere ao projeto do bloco da direita tradicional). Decidir entre
retrocesso (que tentará se pintar de novidade) e continuísmo não será fácil
para os brasileiros. A (não) terceira-via de Eduardo Campos, como “nem uma
coisa nem outra, muito pelo contrário” não decolou até aqui e pouca coisa
mostra que será diferente quando o debate eleitoral esquentar. Não ser “nem governo
nem oposição” tem dessas coisas.
Por fim, a oposição de esquerda, ainda pequena, precisa ser
mais vista e ouvida para conseguir crescer e canalizar o mal-estar que paira.
Talvez ganhe espaço na “negação do que está ai”. Ainda assim, será uma luta dura:
seremos os únicos a combater o fundamentalismo religioso crescente no país (com
o qual todos os candidatos mantém a cretina relação de “respeito”) – e que se
expressa em uma candidatura própria.
Precisaremos apresentar propostas claras, criativas e novas
para o Brasil, fazer a crítica coerente e envolver lutadores e lutadoras
sociais num projeto que seja capaz de agendar o debate eleitoral com alguma
firmeza em questões importantes. A candidatura Luciana Genro tem um papel
importantíssimo no presente, mas tão ou mais importante no que produzirá como
resultado para um futuro próximo, na dura batalha pela refundação da esquerda
“que não tem medo de dizer seu nome” no Brasil. É, naturalmente, minha
candidata. A ver a cena dos próximos capítulos.
*Edemilson Paraná, jornalista, mestrando em sociologia na
UnB e vice-presidente do PSOL-DF