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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Palestina vencerá – A brutal agressão de Netanyahu e a situação da revolução árabe

Quinta, 24 de julho de 2014
De corrientemovimiento

Pedro Fuentes
O agravamento da agressão israelense, que o povo palestino está respondendo heroicamente, também nos coloca a necessidade de responder algumas perguntas mais de fundo sobre o que está ocorrendo. Por que esta política de Netanyahu? O estado sionista pode ser democratizado? Que está acontecendo no mundo árabe depois das revoluções democráticas e da primavera árabe?
A primeira resposta está mais clara para nós por conta dos fatos brutais cometidos pelo sionismo. A resposta à segunda pergunta é mais problemática, e assim, ainda que não tenhamos respostas acabadas e precisas não podemos deixar de tocar neste tema e na vinculação que tem com a situação mundial.
O estado sionista quer destruir a Palestina
A atual agressão do estado sionista em terra Palestina não deixa dúvidas: Netanyahu quer destruir a Palestina. Uma das características do sionismo é sua ilimitada capacidade de mentir. Sempre teve que fazê-lo para justificar sua brutal política colonialista, racista, de limpeza étnica, de apartheid, de agressão militar permanente sob o manto de seu “direito a existir”.  Mas suas últimas ações não deixam dúvidas: não é coexistir, é eliminar todo vestígio de palestinos sobre sua terra. Salem Nasser publicou um artigo na Folha de São  Paulo, no dia 17 de Julho   (www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/07/1487025-) sobre este racismo que merece ser destacado. “Trata-se de um tipo especial de racismo, que não se basta em representar sua vítima como traiçoeira e naturalmente orientada para a violência, o que quer é destituí-la do direito de definir sua identidade, negar o seu direito de ser, apagar sua própria história”.   Nasser diz que para isso tem que eliminá-la, e como qualquer ladrão, ocultar o cadáver. Quem está levando adiante esta tarefa suja não é somente Netanyahu, ele é o porta-voz do fundamentalismo sionista que diretamente se opõe a este mínimo direito palestino a existir, a viver.  
A resistência diante da agressão permanente (e o legítimo uso de métodos de defesa armada) pode levar a atos desesperados como no caso dos três meninos israelenses mortos. Mas, nem este, nem nenhum outro fato, justificam uma das mais bárbaras agressões da história da humanidade e que tem um objetivo: não é defender a existência de Israel, mas arrasar definitivamente o que sobra da Palestina depois de anos de colonização, limpeza étnica e apartheid, O informe do relator da ONU Richard Falk, disponibilizado na página web da ONU, no dia 4 de março, o atesta com toda clareza: Israel promove “colonialismo”, “apartheid” e “limpeza étnica” na Palestina: três qualificativos que englobam os objetivos que tem (e por tanto do que é), o estado de Israel.
Isto é o essencial da situação atual, o determinante. Esta é a linha que se consolidou e se tem afirmado no tempo. Os muros que cercam Gaza e Cisjordânia, (mais extenso e mais sinistro que o Muro de Berlim, porque é uma prisão, falar de apartheid é pouco), a sistemática política de aumentar os assentamentos, são um salto de quantidade em qualidade, um processo irreversível, da burguesia sionista “dona”, não apenas dominante, do estado sionista.

No estado sionista de Israel se consolidou firmemente o setor mais extremo da direita fascista, assentado no mais sinistro racismo que tem o mundo nestes últimos 70 anos.  Benjamin Netanyahu deve estar sendo apoiado pelos setores mais fascistas da comunidade judaica, por um aparato e uma burguesia que atuam com força própria (como dizia Trotsky o fascismo se apoia nos setores pequeno-burgueses desesperados e em seguida termina sendo aceito pelo grande capital financeiro). Se o sionismo sempre foi um aliado dos EUA com o imperialismo ianque sendo seu sócio maior, agora parece que essa associação, que é e será indestrutível, está invertida.
Com a primavera árabe, Obama ameaçou assumir uma política mais “independente” em relação a Netanyahu.  Esta política tinha que se concretizar no consenso mundial de que há dois estados (não sobre a base das resoluções da ONU de 1968, pela qual Israel devia devolver os territórios, mas sobre certas bases mínimas que permitam à burguesia palestina sobreviver e nesse sentido também aos palestinos que habitam Gaza e Cisjordânia).  De forma crítica, Hamas também terminaria aceitando esta política, e essa deve ter sido a explicação para o acordo Hamas-Al Fatah. Mas esta política do imperialismo, com a qual muitos setores de esquerda conciliaram, se transformou em uma farsa.
A política de destruição da Palestina encerra uma grande contradição: Por um lado, se afirma como política estratégica, quase como principio para as forças consequentemente democráticas e anticapitalistas que não há outra forma de paz e de autodeterminação do povo palestino senão com a destruição deste estado (breve abordaremos o tema do estado como conjunto de instituições e do estado como país).
Por outra parte, como tática e como política concreta, consequência do desenvolvimento da política sionista e da atual correlação de forças, a palavra de ordem presente e concreta é o reconhecimento do estado palestino já, a retirada dos assentamentos e a abertura das fronteiras derrubando o muro. Esta é a única forma pela qual as massas palestinas podem respirar e se pode ganhar a primeira batalha contra o sionismo. Esta é a consigna pela qual agora pode lutar o povo palestino que começa com a retirada das tropas sionistas, o fim da agressão, dos bombardeios e matanças e o bloqueio.  A nível internacional temos que exigir a ruptura de todo tipo de relações com o estado sionista. A mobilização unitária internacional tem que fazer essa exigência aos governos, como já está fazendo o PSOL com toda energia no Brasil.
As contradições da situação mundial
Temos que incrustar o que acontece na Palestina no marco de una situação mundial que vai se tornando mais incerta e caótica. Basta olhar para o que acontece na Ucrânia para verificar esta afirmação.
Este caos e incertezas se explicam, em última instância, pela desigualdade muito grande que há entre o objetivo e o subjetivo.  De um lado, a crise de dominação do imperialismo se acentua.  Mostra-se nitidamente na fragilidade de Obama, empantanado no Afeganistão, paralisado no Iraque, onde o conflito entre sunitas e xiitas tornou a situação caótica. Também na crescente desestabilização que provoca na Ucrânia o fortalecimento do neo imperialismo russo.
A aparição, nessas e em muitas outras partes do mundo, de setores direitistas exacerbados, que fogem ao controle do imperialismo e de seus planos (que cada vez demonstram mais precariedade) mostram esta cara da realidade. O estado de crise da dominação hegemônica faz com que prevaleçam as forças centrífugas sobre as centrípetas.
O imperialismo americano (primeiro exército do mundo) sendo a principal ferramenta de dominação do capitalismo-imperialista. Mas o que aconteceu é que, em função da crise econômica mundial e de seus próprios desastres político-militares no Iraque e no Afeganistão, seu controle geral se tornou mais precário. Ao mesmo tempo, a exacerbação da situação provocou a crise dos regimes políticos de dominação democrático-burgueses e o surgimento de forças mais à direita, por fora dos regimes, como no caso do neofascismo na Europa, o Tea Party nos Estados Unidos, as direitas fascistas pró-russas e pró-ocidentais na Ucrânia.  Também se deram as condições para o aparecimento do neoimperialismo russo (segundo exército do mundo) que no meio dessa crise toma força, sobretudo, para recuperar sua área de influencia.
E, por outro lado, a outra característica da realidade mundial é a desigualdade com o fator subjetivo. O mundo está repleto de inumeráveis lutas que mostram que o estado de ânimo das massas não cai, as mobilizações se estendem, mas, ao mesmo tempo, existe uma ausência de alternativa de direção de classe, ou dito de outro modo, de uma alternativa democrática, anti-imperialista e anticapitalista que seja consequente e capaz de unir o conjunto das massas contra o imperialismo e seus agentes. Assim aconteceu em dois elevados processos revolucionários. No Egito, depois das grandes mobilizações revolucionárias, por essa ausência, terminaram tomando o poder os militares.  E na Ucrânia, depois do grande levante da Praça Maidan, acabou impondo-se um governo pró-ocidental de direita no oeste, e um separatismo manipulado pelo neo imperialismo russo no leste.
Em razão dessa ausência se reavivam lutas étnicas, aparecem nacionalismos xenófobos e por isso ocorrem impasses em processos revolucionários e inclusive avanços da contrarrevolução; por essa mesma razão tomam força os métodos de luta não classistas como o terrorismo da Al-Qaeda.
Somos da ideia de que essa contradição irá se resolvendo. A crise do capitalismo-imperialista não apenas segue, como parece que é cada vez maior, sobretudo no terreno político. Há mais desestabilização de seus regimes, mais crises e por isso a luta de classes entra cada vez mais em todos os rincões do mundo. Não podemos ver o mundo a não ser em sua totalidade e nos centros de poder mais importantes. Temos de olhar muito para os Estados Unidos, onde tudo aponta que a luta de classes está se fortalecendo e que o mesmo vai acabar acontecendo na China. E temos que pensar que esses processos são e serão fundamentais para a construção de alternativas anticapitalistas e a superação da crise de direção.
A encruzilhada da revolução árabe e a luta palestina
Desde que se iniciou a mobilização no final de 2010 na Tunísia, dissemos, em documentos do MES e de nossa corrente, que havia começado um processo de revolução no mundo árabe, do qual a derrubada de Ben Ali e Mubarak foram os pontos mais altos. Sustentamos (e seguimos sustentando) que a derrubada daqueles regimes foram provocados por revoluções democráticas. Essa mobilização revolucionária se estendeu, com desigualdades, por todo o mundo árabe, chegou até a Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, derrubou o ditador Kadafi e desatou a grande e heroica mobilização de massas contra Bashar Al Asad, na Síria.
Desde o final de 2010 até o final de 2012, tivemos um ascenso revolucionário. Primou no movimento de massas a luta popular democrática, laica, revolucionária contra as ditaduras da região (Ben Ali, Mubarak, Kadafi, Asad). Ao final de 2012 começou o impasse da situação na Síria, e um perigo que havia sido apontado por Gilbert Achcar e outros militantes da IV Internacional, entre eles os companheiros tunisianos, começou a tomar força: o fortalecimento do fundamentalismo religioso islâmico com o consequente perigo de dissolver o caráter democrático revolucionário do processo levando em direção a um enfrentamento religioso e interétnico.
Na Síria a mobilização revolucionária tornou possível a formação de um exército de libertação formado a partir da deserção de soldados e oficiais, dos comitês revolucionários e da milícia popular.  Em meio da repressão brutal do regime surgiu a guerrilha islâmica do ISIS (Exército Islâmico do Iraque e do Levante) vinculada a Al Qaeda como uma terceira força que terminou enfrentando tanto os rebeldes quanto o regime. Esta guerrilha sunita avançou sobre o Iraque onde agora ocupa uma parte considerável do território e, em especial, a zona petroleira. O imperialismo assiste, com as mãos atadas, a esse enfrentamento interétnico que agora divide o Iraque. (Os métodos bárbaros do ISIS parecem tão cruéis que Al Qaeda rompeu relações oficialmente, segundo informa um artigo no The Washington Post: “Al Qaeda disavows any ties with radical Islamim ISIS group in Syria, Iraq”).
No Egito, o partido da Irmandade Muçulmana ganhou as eleições e subiu ao poder Morsi que, em meio da crise econômica a resolver há anos, pretendeu fortalecer-se através de medidas que iam ao sentido de criar um estado sob normas islâmicas. Em 2013 o povo egípcio deu uma prova de sua força e ânimo revolucionário; milhões saíram às ruas em todo país para pôr fim a seu governo. Nesse processo, as forças preponderantes não construíram uma alternativa de poder democrática revolucionária. Os principais líderes, entre eles El Baradei, cometeram um erro histórico ao deixar que, no meio da crise, o exército tomasse o poder. Este utilizou o legítimo descontentamento do povo com o governo da Irmandade Muçulmana para iniciar a repressão contra esse partido e sua base islamita, provocando grandes matanças e, sem dúvida, a confusão e a divisão do movimento popular.
Em novas eleições, que tiveram muito pouca participação, se legitimou no governo do caudilho do exército Sissi, instalando-se um regime de característica bonapartista. Parece-nos que seria um erro dizer já que uma contrarrevolução triunfou em toda linha. Não parece que Sissi seja igual ao regime de Mubarak, já que enquanto aquele surgiu de um processo degenerativo longo do nasserismo, agora o exército tem que governar sobre recentes mobilizações revolucionárias.
Mas para o imperialismo não veio mal à retomada do exército porque o governo muçulmano de Morsi, por causa de sua base muçulmana, era menos afim com os EUA na questão palestina.
Estamos escrevendo desde muito longe e então a possibilidade de nos equivocar é muito maior. A pesar disso, é importante arriscar certas caracterizações até que uma boa discussão na esquerda marxista, especialmente na que milita na região, ou esteja mais próxima a ela, ajude a clarificar mais a situação.
Em documento do MES de 2013 escrevemos que a revolução árabe vivia uma situação de impasse. Pois bem, esse impasse está se prolongando. Síria, primeir, e depois o Egito, foram dois golpes na primavera árabe. Assim, no profundo do movimento de massas não se perdeu o processo da revolução, a situação objetivamente mudou e a razão principal é a debilidade de uma alternativa democrática revolucionária nos países da região. Por causa dessa ausência se afirmaram dois processos contra a revolução nesses países. Se esse curso segue, e não se dão novos processos revolucionários em outros países do conflitivo mundo árabe, teríamos que dizer que a situação deixa de ser de impasse e adotar outra caracterização; Dizer que a revolução árabe foi degenerada, deformada, que triunfou o thermidor, como já aconteceu na Argélia, Egito e Síria, nos anos 70 e 80. Assumir esta caracterização tem um perigo: perder a visão de totalidade do mundo e o avanço em ele das lutas democráticas.
A Palestina também sofre esse processo de impasse (para não utilizar outra caracterização) da primavera árabe. Em 2011 a primavera chegou até Israel, onde houve uma manifestação de cem mil contra os aparatos do estado sionista. E também entre os jovens palestinos que exigiram a unificação entre o Hamas e Al Fatah. Foram liberados e legalizados os túneis e até se liberou a fronteira de Gaza com o Egito. A primavera teve como pano de fundo a causa palestina que era agitada em todas as mobilizações em todos os países.
As possibilidades de repercussão da revolução democrática eram imensas na área, podiam abalar o estado sionista e superar as direções palestinas: o velho aparato burocrático e corrupto que domina Al Fatah, de um lado, e do outro, a direção islâmica do Hamas que conduz uma política paternalista sobre os sofridos palestinos de Gaza. Foi nesse contexto que uma grande quantidade de países, entre eles o Brasil, reconheceu o estado palestino.
Mas parece que esse processo se estancou. Os túneis foram fechados, o acordo do Hamas com Al Fatah é progressivo, mas superestrutural, não um processo que tenha entusiasmado e unificado o movimento de massas palestino.
Se acirram as disputas na região
As lutas do povo palestino, do mundo árabe e curdo, Iraque, Irã e Afeganistão não estão absolutamente definidas, há também uma situação caótica nessa região do mundo, sempre atravessada pelos interesses do imperialismo e sua intervenção militar.  
Na atualidade estão dominando os interesses geopolíticos das burguesias e dos imperialismos (sem claras linhas divisórias) aos das massas. Mas estas mesmas disputas, que são parte da crise e decadência do sistema, se dão sob o pano de fundo da luta de classes e podem reavivá-la; as contradições seguem, como seguirá por longo tempo a luta palestina.
A deformação em curso de processos revolucionários em lutas raciais interétnicas (especialmente entre sunitas e xiitas), se dão em meio de uma acirrada disputa entre as potencias: entre EUA, Europa (especialmente Alemanha que tem seus objetivos) e o neo imperialismo russo. Seus objetivos geopolíticos estão sujeitos e tem que se acomodar também às oscilações das burguesias petroleiras regionais que incidem diretamente nas lutas interétnicas.
Um polo deste processo é a autocracia sunita da Arábia Saudita, aliada histórica dos EUA; o outro é o regime xiita do Irã, que se enfrenta desde 1979 com os EUA. (a república islâmica do Irã é também uma teocracia que surgiu da degeneração da revolução iraniana de 1979, que teve um claro caráter democrático e anti-imperialista, na qual os trabalhadores petroleiros tiveram um papel fundamental).
O regime dos aiatolás do Irã apoia a ditadura síria e também às organizações de base xiita do Hezbolah, no Líbano, e do Hamas, na Palestina, que sustentam a luta contra o estado sionista de Israel. A contradição é que o Irã (apoiador da Síria) também desempenha um papel chave na sustentação do governo do Iraque (de base xiita), nascido da intervenção imperialista dos EUA.
O Iraque está destroçado como consequência do papel nefasto da intervenção imperialista (que se apoiou na maioria xiita) para derrotar a ditadura de Saddam Hussein. Mas agora se agregou uma nova guerra na qual a milícia sunita radical, alentada pela Arábia Saudita, está controlando a zona petroleira e pode rachar o país.
Não por casualidade os EUA postergam as sanções ao Irã, porque este passa a ter um papel chave no Iraque e também no Afeganistão, onde o regime pró-imperialista se enfrenta contra o talibã ligado aos sunitas (o imperialismo ianque já mostrou capacidade de negociação quando estava em plena bancarrota no Vietnã e, de forma secreta, já havia empreendido negociações com a China, muito bem detalhadas em livro de Kissinger sobre a China).
Essa situação mostra a debilitação e não a força dos EUA, ainda que isso não mude seu caráter agressor. A atual ação sangrenta de Netanyahu pode muito bem se dever a que foi contrariado pelos EUA quando tinha a política de atacar o Irã.
O Oriente Médio e toda a região que o rodeia, historicamente nunca tiveram estabilidade. Prova disso é que quando ocorreu a degeneração dos processos na Argélia, Síria e Egito (na década de 70), logo veio a revolução iraniana, e a região nunca se estabilizou. Isso pode acontecer novamente; não se pode perder esse marco nem tampouco o da situação mundial.
Pode existir um estado de Israel democrático?
O estado sionista sempre será fonte de desestabilização. Temos que aprofundar a questão do estado sionista e a diferença entre estado como país e estado como o conjunto das instituições pelas quais uma classe, ou um setor de classe, domina o país, assim como problematizar (neste caso) a diferença entre regime e estado. Os estados burgueses como países ou como nações se formaram em um processo revolucionário que arrasou os feudos, formou um mercado nacional e ao redor dele uma superestrutura de organização do país (de domínio burguês obviamente), vinculada a relações de classe entre os homens que se construiu sob o impulso do capitalismo em sua fase progressiva, quando desempenhava um papel revolucionário.
No caso de Israel não foi assim. Como país é um engendro imperialista contrarrevolucionário que se construiu sobre a base de uma ideologia super-reacionária que é o sionismo e sobre a base da expropriação e expulsão dos palestinos que formavam 93% da população. Se construiu na fase imperialista, de rapina do mundo pelo capital financeiro, como definiu Lênin. Este estado, fundado sobre a base da comunidade de fé é também um retrocesso em relação ao projeto moderno de “estado fundado na comunidade nacional”.
 Seguindo a sistematização de Nahuel Moreno dizemos que o estado (como tal) é uma superestrutura formada pelo conjunto de instituições através das quais uma classe (ou setor de classe) domina. E que regime é a forma como se organizam, se relacionam ou estruturam as diferentes instituições em determinada situação, ou seja, qual é a que domina (Exército no bonapartismo, parlamento eleito na democracia burguesa, etc).
A pergunta é: no estado sionista (racista) de Israel, é possível separar as instituições do estado, ou seja, elas têm a possibilidade de alternar-se ou organizar-se de diferentes formas de poder estatal? Me parece que é um estado irreversivelmente contrarrevolucionário: a) se funda sobre um país artificial, engendrado por interesses imperialistas; b) necessita de uma ideologia reacionária que não pode mudar que é o sionismo (não pode ser laico, por exemplo), sem sionismo não há estado; c) tem que manter um exército em agressão permanente, não pode ter outro papel dentro do estado (há um estado de guerra). Em um estado burguês mais normal há instituições mais independentes como os sindicatos e os partidos políticos. Estes existem em Israel, mas parecem que são marionetes, cada vez mais meros instrumentos absorvidos pelo estado sionista. O argumento que no interior de Israel há “democracia”, porque os palestinos que lá habitam têm representação parlamentar é errado. É uma minoria reprimida que nunca pode sair dessa condição.
Derrubar este estado é algo muito distante de querer dizer que há que terminar com todos os habitantes judeus (como que fazer Netanyahu com os palestinos).  Pelo contrario é a única forma de alcançar o fim definitivo da violência e chegar à forma de convivência entre judeus e palestinos.
Sionismo e islamismo
Também há que distinguir entre ideologia sionista e a islamita. A primeira é a base do racismo opressor, base de sustentação da ocupação de territórios e do avanço no extermínio do povo palestino. Para mostrar ainda mais a cara deste racismo basta recordar a posição sustentada por uma parlamentar israelense que disse que “havia que matar todas as mulheres palestinas para não haja mais terroristas” (O sionismo tomou força sobre as bases do antissemitismo desenvolto até suas últimas consequências pelo estado nazista, felizmente derrotado com a Segunda Guerra Mundial).
A ideologia islamita é também uma ideologia reacionária, retrógrada, que quer obstaculizar conquistas da humanidade, em particular, em relação aos direitos da mulher, e que deforma a luta contra o imperialismo sob a falsa oposição cultural entre Ocidente e Oriente. Deu origem a diferentes movimentos políticos que, a partir desse ponto em comum, abarcam desde a reacionária e autocrata burguesia saudita até Hamas e Hezbolah. Se tornou forte a partir da traição ou adaptação dos movimentos pan-árabes nacionalistas radicais das décadas de 50 a 70 como o nasserismo, ou diretamente revolucionários e marxistas como foi a Frente de Libertação Nacional, na Argélia, e Al Fatah, na Palestina.
As ideologias são superadas ou são fortes segundo o estado da luta de classes e a mobilização. Quando a mobilização avança se abre o caminho para uma consciência de classe e internacionalista. A consciência democrática revolucionária é um passo nessa direção. Assim aconteceu no mundo árabe; se avançou e se retrocedeu, mas nada indica que a mobilização não volte a avançar e por tanto a consciência.
Palestina triunfará
O povo palestino é o que está mais sujeito e mais dependente da luta de classes no mundo. A brutal agressão e o terrível sofrimento transformam a Palestina não só em uma luta do povo árabe, mas também em uma causa mundial. A contradição formulada por Rosa Luxemburgo é atual e há que repeti-la. Socialismo ou barbárie deixou de ser um prognóstico para o futuro para se tornar presente; o estado de Israel é a barbárie para os palestinos e para o futuro da humanidade, não pode seguir de pé.
A decadência do capitalismo imperialista colocou as tarefas democráticas na ordem do dia e mostrou também a incapacidade da burguesia de resolvê-las. Se fizermos um balanço das últimas décadas, houve mais avanços que retrocessos das causas democráticas e eles foram arrancados pelas lutas, mobilizações e revoluções. Foi a mobilização do povo russo que, em última instancia, derrotou o fascismo. Assim caíram as ditaduras na América Latina. Assim se pôs fim ao apartheid na África do Sul, e assim também caíram as ditaduras do estalinismo.
É verdade que a consciência socialista, que é o que supera os nacionalismos entre os povos, e com a que se pode começar a conquistar toda a liberdade, teve um retrocesso porque as massas conheceram como socialismo a degeneração da burocracia estalinista. Felizmente se acabou, e seu fim foi provocado pela mobilização popular e é uma conquista democrática.
Cremos que a resistência palestina não vai baixar a guarda e cada vez mais vai impactar sobre a consciência do mundo. Somos todos palestinos e sua causa triunfará.