Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Associação e dissociação históricas

Segunda, 20 de setembro de 2010 
Por Ivan de Carvalho

    1. Escândalo da violação de sigilo fiscal na Receita Federal, atingindo, não por mera coincidência, também familiares e aliados do principal candidato da oposição a presidente da República, José Serra.
    2. Escândalo causado pelas denúncias sobre tráfico de influência e propina, com foco na Casa Civil da Presidência da República, onde a ministra-chefe Erenice Guerra, indicada para o cargo por sua antecessora Dilma Rousseff e nomeada pelo presidente Lula, foi forçada a pedir exoneração.
    3. Os dois escândalos anteriores deixaram numa área de sombra, de divulgação modesta e pouco debate nacional, as quase (estou querendo ser generoso) escandalosas afirmações do ex-guerrilheiro, ex-deputado, ex-presidente do PT e ex-ministro-chefe da Casa Civil (antecessor de Dilma Rousseff), José Dirceu, que tem uma influência muito grande em seu partido.
    4.  Nessas afirmações, feitas em Salvador para uma platéia de petroleiros, supostamente sem saber da presença de jornalistas, Dirceu disse várias coisas interessantes, talvez cada uma delas merecendo ser objeto de algum debate em escala nacional, especialmente neste momento em que a maioria do eleitorado se dispõe a dar o terceiro mandato consecutivo de presidente da República a alguém do PT.
    5. Mas o que, tentando ser generoso, qualifiquei de afirmações “quase escandalosas” foram as que envolveram o poder da mídia, a liberdade de imprensa e de expressão. Não estou me referindo à noticiada declaração de que “há um excesso de liberdade de expressão e de imprensa” no país, pois o ministro acaba de desmenti-la, de afirmar que não disse isto.
    6. Refiro-me, sim, à parte de sua palestra em que o importante petista explica aos petroleiros, numa óbvia alusão ao papel desagradável – para a sensibilidade do palestrante, bem como do presidente Lula (este não deixou dúvidas quanto a isso em comício na semana passada) – que a mídia tem exercido. Dirceu destacou o “poder econômico” e o “poder da mídia”, para indagar qual o poder que pode enfrentar o poder econômico aliado ao poder da mídia e dar a resposta: “É o poder político...”.
    7. É. Nos regimes comunistas enfrentou com galhardia. Extinguiu o poder econômico privado, extinguiu a mídia livre pela diversidade, tornou ambos monopólio do Estado controlado por um partido. Resultado: totalitarismo. Atualmente, tem-se uma tentativa autoritária, com a “revolução socialista bolivariana” do coronel-presidente-ditador Hugo Chávez. Cassa, confisca e estatiza a mídia oposicionista mais eficaz, ameaça de fazer o mesmo com a parte da mídia privada que restou, intimida, sufoca, enquanto constrói forte mídia estatal. Com isso solapa o “poder econômico” privado que, como o restante da sociedade, fica sem canais de expressão livres.
    8. Rebatendo as interpretações de que estaria contra a liberdade de expressão e imprensa, o ex-ministro José Dirceu disse que quem tem uma história diretamente associada à liberdade. “Só quem sofreu as chagas da Ditadura Militar neste país sabe, na pele, o que é ser defensor da democracia. E não existe democracia sem garantia ao direito à expressão e ao livre exercício da atividade jornalística”.
    Bem, o ministro disse isso ontem, em um artigo. Li todo, mas o resto não importa. O que importa é que é uma verdade totalmente conhecida que os que escolheram a luta armada contra o regime militar tinham ideologia que propunha, não a liberdade e a democracia, mas aquele regime que extinguiu o poder econômico privado e a liberdade de expressão, usando para isto o poder político (incluindo seus braços militar e policial). Infelizmente, esta é uma história diretamente dissociada da liberdade.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.