Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 30 de outubro de 2010

Perdido no tempo e nas contas

Sábado, 30 de outubro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Amanhã os brasileiros votam pela segunda vez este mês para eleger o (a) presidente da República e governadores em alguns Estados e no Distrito Federal. Não vejo muito sentido em chover no molhado, escrever mais uma vez o que os leitores já têm, até o cansaço, lido e ouvido nos jornais, na televisão, no rádio, na Internet, até mesmo em alguns comícios e alguns panfletos, estes agora declarados um instrumento maldito de comunicação.
 
Mas, se os panfletos já ganharam a (des) qualificação de malditos, não havendo distribuição de panfleto que não gere imediatamente boletim de ocorrência, auto de flagrante e abertura de inquérito policial e comunicação a tribunal eleitoral, alguns dos demais meios de comunicação estão ingressando decididamente na esfera dos malditos.
 
Vale recordar que na última fase da campanha eleitoral para o primeiro turno, certo de que sua candidata a presidente ganharia com ampla vantagem sem precisar do segundo turno, o presidente da República deleitou-se em maldizer os meios de comunicação de massa, notoriamente porque estes não escreviam ou diziam exatamente o que ele queria.
 
Os malditos meios de comunicação de massa noticiavam os questionamentos religiosos, especialmente sobre o aborto, mas também sobre outros, como a eutanásia e a criminalização da homofobia, que levavam as igrejas católica e evangélicas a infernizarem a campanha eleitoral da candidata oficial para que ela, a candidata, esclarecesse sua posição (na minha opinião não esclareceu nada, deliberadamente confundiu, mas esta é uma avaliação a ser feita pelas igrejas e pela consciência de cada eleitor).
 
Assim, vamos deixar mesmo de lado, nesta véspera da eleição, as já surradas e cansativas promessas retumbantes e a notória ausência de informação sobre os meios a serem usados para cumpri-las. Deste mato não sai mais coelho. Mais vale anotar o discurso do papa Bento XVI na quinta-feira, quando recomendou aos bispos brasileiros que defendam, perante o eleitorado, os dogmas da Igreja Católica contra a descriminalização do aborto e a eutanásia, vale dizer, a favor da vida.
 
Não surpreende, claro, a posição expressa pelo papa, exceto por haver demorado tanto a acontecer que a maioria dos eleitores, mesmo os católicos, irá às urnas sem ter conhecimento do discurso do pontífice e mais ainda, sem uma discussão a respeito.
 
Mas fiquei surpreso com os comentários feitos a respeito, ontem, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Isto me levou a ficar preocupado com certas questões que não pareciam ter qualquer relação com aborto e eutanásia, como, por exemplo, o imenso valor da dívida pública que ele vai deixando de herança maldita para seu sucessor, o índice de inflação (ante o aumento brutal dos preços dos alimentos nos últimos três meses).
 
“Não vejo nenhuma novidade na declaração do Papa. Esse é o comportamento da Igreja Católica desde que ela existe. Se você for ver o que a Igreja Católica falava há 2 mil anos, ela falava exatamente o que o papa falou”, disse o presidente no Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo. Ora, que conta!!! Se formos ver o que a Igreja Católica falava há 2 mil anos, veremos que ela não falava nada. Nem existia. O próprio Jesus Cristo estava com idade em torno de dez anos, no mínimo e 17, no máximo, segundo os estudiosos do assunto. Nem começara a pregar.
 
Mas a Igreja Católica já estava lá, firme, combatendo o aborto e a eutanásia, afirma o presidente da República Federativa do Brasil.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.