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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A mensagem aos cristãos

Segunda, 18 de outubro de 2010
 Por Ivan de Carvalho
    Não é novidade, pois aconteceu em fins da semana passada, mas é uma coisa extraordinária. A candidata do PT a presidente da República julgou necessário, atendendo ao debate de questões de interesse também religioso que ocorre na campanha eleitoral, divulgar uma “mensagem” assinada de próprio punho, dirigida aos cristãos. Atendeu a 51 representantes de igrejas evangélicas.

O que parece extraordinário: a cobrança de um manifesto sobre aquelas questões e a conclusão de Dilma Rousseff de que precisava atender a essa cobrança. Uma cobrança que, até o momento, não foi feita ao tucano José Serra.

A necessidade que a candidata petista sentiu de divulgar sua mensagem-compromisso reflete as objeções que nos meios cristãos (ostensivamente em meios católicos e evangélicos) têm sido feitas a suas posições pessoais sobre crença em Deus e sobre o aborto. Também têm sido levantados, com mais ou menos intensidade, outros pontos que o clero – católico e, mais ainda, o evangélico – considera muito relevantes.
Após uma breve introdução, a candidata petista enumera seis itens e em seguida faz breves considerações finais. Vamos ao principal, os seis itens:

1. Defendo a convivência entre as diferentes religiões e a liberdade religiosa, assegurada pela Constituição Federal;

2. Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto;
(Aí, o primeiro e maior nó. Em 2007, em sabatina na Folha de São Paulo, gravada em vídeo, ela disse explicitamente que é um absurdo não haver no Brasil a descriminalização do aborto e se manifesta a favor de que ocorra. Já em abril do ano passado, em entrevista à revista Marie Claire, reafirma o que dissera à Folha. O PT, partido dela, tem em seu programa, aprovada no III Congresso Nacional da legenda, uma resolução que impõe diretriz a favor da eliminação do artigo 127 do Código Penal, que criminaliza o aborto e abre apenas duas exceções legais. O governo Lula realiza neste momento estudo sobre a questão do aborto, inclusive quanto a seus aspectos legais).

3. Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País.
(Continua o nó górdio da candidatura Dilma com os cristãos – e outros crentes que também fazem objeção ao aborto, como os espíritas, muçulmanos, budistas, etc. Ela se compromete na mensagem a não tomar a iniciativa de propor alterações na “legislação sobre aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no país”. Mas não se compromete a vetar mudança na lei do aborto, se o Congresso Nacional aprovar. Os evangélicos que se reuniram com ela pediram o compromisso do veto, ela concordou em por na “mensagem”, mas recuou. Motivo sério houve).

4. O PNDH3 é uma ampla carta de intenções, que incorporou itens do programa anterior. Está sendo revisto e, se eleita, não pretendo promover nenhuma iniciativa que afronte a família;
(É que o PNDH3 também pretende facilitar o aborto. E nem dá para comentar o item porque até a mais superficial análise chegará à conclusão de que mais vago não poderia ser o “compromisso”, na forma em que foi posta neste item).

5. Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil;
(Trata-se, aí, do projeto de lei que “criminaliza a homofobia”, com pena de prisão. As igrejas estão chamando isto de “lei da mordaça” e temem que seja usada para punir sacerdotes e fiéis que falem contra a homossexualidade. Dilma diz que sancionará o que não violar a liberdade de crença, culto e expressão. De acordo, é claro, com a visão dela, se for eleita presidente. Não se colocou contra o PL 122, como o fazem todas ou quase todas as igrejas cristãs no Brasil, preocupadas, inclusive, que isso abra a porta para outras restrições à liberdade religiosa).

No item 6, a candidata Dilma Rousseff apenas promete leis e programas “que tenham a família como foco principal”, a exemplo do Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida. Mas isso é outra história, é enfeite e não tem nada a ver.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.