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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A herança maldita

Sexta, 11 de fevereiro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
Imediatamente antes de deixar a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva tratou de avisar que, ao contrário do que acontecera com ele – que recebeu do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, uma pavorosa “herança maldita” que o governo e o PT incluíram como uma das expressões prediletas de seu dicionário de rótulos e frases feitas –, sua sucessora não poderia se queixar de receber qualquer “herança maldita”.

      O que vemos, então, nesse segundo mês de governo da presidenta (vade retro, besteirol), digo, presidente Dilma Rousseff?

      Primeiro, um demorado apagão atingindo toda a região Nordeste do país. Às escuras para justificar o fenômeno, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, produziu uma frase surpreendente: “Não houve apagão. Houve uma interrupção provisória no fornecimento de energia”.

      Respeito as pessoas, principalmente as claustrofóbicas, que ficaram presas em elevadores, as que ficaram às escuras e em pânico nas ruas, as que tiveram prejuízos com aparelhos elétricos e eletrônicos afetados no gradual restabelecimento do fornecimento de energia, as que iam, mas não foram, as que, já tendo ido, tiveram dificuldades para voltar, bem como as atividades econômicas, especialmente as industriais, seriamente prejudicadas.

     Respeito toda essa gente e todas essas atividades, mas confesso: a justificativa do ministro valeu o apagão, quero dizer, a interrupção de energia que apagou tudo, mas não foi um apagão. O pessoal do Maranhão, de onde é o senador-ministro, é muito criativo. Lobão lançou um conceito novo que os especialistas do setor elétrico devem apressar-se a assimilar, para que não se perca.

     Bem, logo em seguida, só para confirmar o anterior, outro apagão, perdão, interrupção no fornecimento de energia, desta vez em São Paulo, atingindo dois milhões de pessoas.

    Mas aí o ex-presidente Lula poderá dizer, se quiser (suspeito de que não o fará) que o setor de energia, durante quase todo o seu primeiro mandato, foi comandado pela então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff. E que esta, na Casa Civil, continuou monitorando o setor com muita energia (sem trocadilho). Então, não seria herança dele, mas ela, sim, estaria colhendo o que plantou.

    Aliás, nos últimos anos da Era Lula – 2008, 2009, 2010 –, com o Ministério das Minas e Energia entregue a Lobão, apadrinhado de Sarney, e sob o monitoramento de Dilma, os apagões tiveram um aumento de frequência extraordinário. Mas o presidente chamava-se Lula e ele é que tinha o poder de decisão sobre onde e em que aplicar o dinheiro tomado aos contribuintes. Herança maldita, portanto.

    Mas não é só essa má herança setorial. Estão fazendo um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União. E, depois do corte, outros recursos do Orçamento serão contingenciados, isto é, não gastos naquilo a que se destinam para ficarem disponíveis para formação do superávit primário, com o qual pagam-se amortizações e serviços da gigantesca dívida pública.

     Essa imensa dívida pública é outra parte da herança maldita deixada por Lula à sucessora. Assim como é maldita a herança de ter de cortar os R$ 50 bilhões do orçamento e fazer ainda grandes contingenciamentos. Não só porque isto é coisa antipática, sob os aspectos popular e político, como porque torna confesso o que todos já sabiam – há uma crise fiscal agravando-se e exigindo sacrifícios. E essa crise é uma criação exclusiva do governo Lula.

    Para completar, estão postos os elementos para uma crise cambial. O Banco Central está comprando dólares diariamente, com grande prejuízo em reais, para evitar o agravamento da situação da balança comercial. A crise cambial ainda não é realidade, é uma previsão, seus fatores seriam não só internos, mas também externos. Isto, no entanto, não é suficiente para retirá-la da composição da herança maldita, especialmente se esta pode ser esticada do jeito que Lula esticou a de FHC.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.