Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de julho de 2011

Nasce um monstro

Sábado, 16 de julho de 2011
 Por Ivan de Carvalho
Imagine-se um mundo em que as coisas funcionem segundo uma tecnologia que usa comandos a partir de um teclado e os dedos, ou apenas os dedos sobre uma superfície plana, ou a voz, ou o movimento dos olhos ou simplesmente a energia do pensamento. Imaginar isto seria um bom desafio para as pessoas que viveram da primeira metade do século passado para trás. Para as que viveram depois disso o cenário descrito seria fácil de imaginar.

            Para as que ainda vivem, o desafio inverte-se. Consiste em imaginar um mundo em que aquelas maravilhas descritas nas primeiras linhas não existam, utilizadas em massa ou pelo menos – como no caso da operação de equipamentos com a força do pensamento, sendo planejadas ou em operação experimental. Difícil, hoje, conceber a civilização limitada aos meios de 60 ou mais anos atrás.

            A propósito, lembro-me de um filme exibido no Brasil sob o título “Raposa de Fogo”. Este era o nome dado a dois protótipos iguais de avião construídos pelos russos, em plena Guerra Fria, na triste e fossilizada Era Brezhnev. Os protótipos eram pilotados, no início, manualmente, mas em batalha assumia o comando, com exclusividade, o pensamento do piloto. Isso aumentava a eficiência, pela rapidez entre a decisão e a execução dos comandos.

Claro que um agente americano foi infiltrado na base aérea em que eles estavam para furtar um deles. Conseguiu e, em meio à crise por isto deflagrada, o outro protótipo saiu em perseguição. O agente americano passou maus momentos até que, em um insight, compreendeu que seu teimoso protótipo só obedecia a pensamentos “em russo”. Ele então parou de pensar em inglês e passou a pensar “em russo”. O avião ficou dócil, derrotou seu irmão gêmeo e, depois de uma escala no Ártico para ser abastecido por um submarino, foi para a América.

A história da “Raposa de Fogo” entrou mais para deixar o texto menos pesado do que com outro objetivo. Mas o fato é que um mundo em que coisas como essa ou semelhantes estejam ausentes é mais difícil imaginar hoje do que era difícil imaginar, na metade do século passado ou mais para trás, um mundo com elas.

No entanto, tem seus riscos, tecnológicos e humanos. Este mês, ante os cada vez mais ousados, numerosos, eficazes e perigosos ataques cibernéticos – como os que, entre 20 e 28 de junho, alvejaram mais de 200 sites de órgãos públicos brasileiros, incluindo a Presidência da República – anunciou-se a criação de uma organização internacional, a Internacional Cyber Security Protection Alliance (ICSPA), a Aliança Internacional de Proteção à Cibersegurança. O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, no último dia 5.

Essa entidade reunirá governos, empresas multinacionais e escritórios de polícias para combater crimes globais. É evidente que é um monstro. Ou será, quando estiver em operação. Claro que tem uma justificativa criada pelos grupos criminosos de hackers independentes ou a serviço de certos (e incertos) Estados nacionais, que criam riscos enormes. Só um exemplo: 24 mil arquivos dos sistemas do Pentágono, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, foram roubados e informações sobre armas e seu potencial caíram nas mãos de quem praticou os ataques.

Mas a anunciada organização de governos, empresas e polícias é de proteção dos sistemas informatizados, não das pessoas nem da cidadania. E é obviamente sujeita a desvirtuamentos.

O potencial de uma organização como essa em relação ao monitoramento e controle da sociedade é absolutamente assustador.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.