Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A pomba e o urubu

Quinta, 9 de fevereiro de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Uma pomba branca tomou tranquilamente, ontem, posição, posando para fotografias, entre as botas de um soldado do Exército, integrante de uma fila deles que compunha a operação de cerco da Assembléia Legislativa da Bahia, ocupada por policiais militares e bombeiros em greve desde o início da noite de terça-feira da semana passada e sitiada durante esta semana.

    Mas o ambiente de ontem na área em volta da Assembléia estava muito menos para pombas do que para urubu. A conveniente cordialidade que existira na véspera entre os policiais militares que ocupavam o Palácio Deputado Luís Eduardo Magalhães, sede do Poder Legislativo, acabara.

     Durante o dia a situação voltara a ser quase tão tensa quanto na segunda-feira, quando balas de borracha, bombas de “efeito moral” e gás de pimenta foram usados pelos militares sitiantes contra os policiais militares que, fora da Assembléia, procuravam aproximar-se para apoiar (não para invadir) os que ocupavam o prédio-sede do Legislativo.

     Nas primeiras horas da noite, no entanto, a tensão cresceu tanto quanto na segunda-feira, gerando correrias de grevistas e de soldados do Exército em perseguição deles, fora do “cordão de isolamento” montado pelo Exército, que ontem já aumentara de pouco mais de 1038 para 1400 o número de tropas no local.

     O principal líder dos grevistas no interior da Assembléia, o ex-PM Marco Prisco, declarou durante o dia que assim que o governo revogasse os 12 mandados de prisão (dois até então já cumpridos e dez em aberto) contra grevistas, a paralisação seria encerrada. O governo baiano, claro, replicou que isso não era com ele. Foram pedidas, mas uma vez emitidos os mandados de prisão pela Justiça (6ª Vara da Fazenda Pública), só a Justiça poderia alterar ou manter as decisões. Ontem, o Superior Tribunal de Justiça negou habeas-corpus aos dois PMs já presos.

     Um forte rumor espalhou-se no começo da noite. A presidente da República, Dilma Rousseff, teria determinado o afastamento do general Gonçalves Dias do comando das operações, desgostosa com a cordialidade entre ele e os grevistas que estavam na orla da área de sítio da Assembléia. O governo estadual também não teria gostado. Na terça-feira, o general (que foi chefe da Segurança do Palácio do Planalto durante os dois mandatos do ex-presidente Lula) fez aniversário. Educadamente, ele ouviu um grupo de PMs cantar parabéns e emocionou-se quando um deles lhe deu um bolo de aniversário e o abraçou. Também dissera que sua missão ali era isolar a Assembléia, não invadir, e garantira que não haveria combate.

    A notícia sobre o afastamento do general do comando das operações foi dada com diferença de minutos (entre 19:09 horas e 19:16 horas) pelos sites Política Livre e Bahia Toda Hora e pelo Blog do Noblat. A informação teria partido de uma não determinada “fonte do governo do Estado”. A VI Região Militar não confirmou. Segundo noticiou a Rádio Metrópole, até desmentiu.

     No começo da noite de ontem, quando estas linhas eram escritas, parecia que as possibilidades de negociação estavam esgotadas. O enigma era o desfecho que o caso terá, se haverá ou não invasão da AL, quando isto acontecerá, se ocorrer, e se, ocorrendo, haverá combate. Ou se os PMs deixarão o prédio, vencidos pela pressão psicológica, pela falta de água, energia, alimentos e até medicamentos, cujo ingresso já não foi permitido ontem.

     Por um lado, a greve de militares (e é o caso dos PMs) caracteriza motim. Por outro, o PT, sempre que teve oportunidade, estando na oposição, apoiou e até ajudou greves de policiais militares. Politicamente, hoje bebe do seu próprio veneno.

     Mas a vítima maior é a sociedade.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.