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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Cassação e voto aberto

Quinta, 5 de julho de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Há, no Brasil, uma luta de parte da sociedade para acabar com o voto secreto nas casas legislativas. A alegação, algo simplista, é a de que os parlamentares foram eleitos pelo povo e este deve conhecer suas posições políticas, administrativas e éticas – todas elas definidas, em instância final, pelos votos que dão ao decidir as mais variadas questões, desde a aprovação ou rejeição de propostas legais à aprovação ou rejeição de nomes para certos cargos e à cassação de mandatos eletivos.

            Mas um rápido exame dos casos em que o voto secreto é atualmente praticado no Congresso Nacional – na maioria deles, no Senado Federal – e nas Assembléias Legislativas ou até nas Câmaras Municipais leva à fácil conclusão de que o bom senso não recomenda a mudança radical que se tem proposto com tanto barulho.

            Há um caso em que o sentimento corporativo tem levado a decisões que irritam a sociedade – tanto a parte dela que defende o voto parlamentar aberto de forma ampla como a que não chega a tanto, por ser capaz de perceber o outro lado da moeda. Ainda assim, há razões para dúvida quanto ao melhor caminho a seguir.

            Refiro-me as votações secretas em que os plenários da Câmara, do Senado e demais casas legislativas decidem, em votações secretas, sobre cassação ou não dos mandatos de um ou alguns de seus pares. O sentimento corporativo – defesa recíproca, além de relações de amizade e preservação coletiva de poder da função de parlamentar – conspira para que, no voto secreto, longe dos olhos do eleitorado e da sociedade, prevaleça a transigência com os “malfeitos”.

Claro que a instituição sai ferida – e cada vez mais profundamente, pela repetição de episódios –, mas, individualmente, o parlamentar que vota secretamente pela manutenção de um mandato que não deveria subsistir não tem sua decisão conivente revelada aos eleitores e à sociedade. Assim, ele acha que, pessoalmente, “escapou”, driblou a opinião pública e geralmente isso é mesmo verdadeiro.

Ontem, o plenário do Senado aprovou, por 56 votos a 1, o fim do voto secreto para as cassações de mandato de deputados e senadores. A chamada Proposta Emenda Constitucional do Voto Aberto (só para o fim mencionado) deverá ainda tramitar na Câmara dos Deputados para que possa ser promulgada. Não se espera que haja tempo de a futura norma tornar-se vigente a tempo de reger a votação sobre a cassação do mandato do senador Demóstenes Torres. Mas isto não importa, é apenas um caso isolado.

É certo que a Câmara também aprovará a PEC. Vale observar que, assim como o corporativismo pode resultar em decisões coniventes com o erro, a eliminação do voto secreto em um dos casos previstos na Constituição, esse caso de cassação de mandatos parlamentares, tem seus riscos. Uma pressão muito forte de um governo com ampla maioria pode, por causa do voto aberto, levar a uma decisão injusta ou levar parlamentares sem firmeza (são muitos) a votar contra a própria consciência para não ir contra o governo, o partido, certas entidades ou movimentos sociais, a opinião pública, a posição majoritária da mídia. E, assim, a preocupação em não deixar de punir o errado pode levar, em casos extremos ou em caso de fraqueza do regime democrático, a punir o inocente.

De qualquer maneira, o caso de cassação de mandato, dos previstos na Constituição, é o único em que – por causa do notório corporativismo – é admissível o voto aberto. Nos outros casos constitucionais, extinguir o sigilo seria incentivar pressões, intimidação, tudo de ruim para o exercício da liberdade e da democracia.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.