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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Uma boa decisão


Quarta, 25 de julho de 2012
Por Ivan de Carvalho
O governo da Bahia ainda pode recorrer da decisão, mas, pelo menos por enquanto, está condenado a pagar uma indenização de R$ 100 mil e pensão vitalícia no valor de quatro salários mínimos – cerca de R$ 2,5 mil, atualmente – a uma jovem de 15 anos que, aos três anos de idade, foi infectada pelo vírus HIV ao tomar uma transfusão de sangue no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador, para combater uma anemia. É presumível que o sangue não havia sido testado em relação à presença de anticorpus para o HIV.

             Ora, esse teste deveria ser – já há doze anos atrás, quando a transfusão de sangue contaminado ocorreu – obrigatório e rigorosamente efetuado no então chamado Hemocentro estadual e o próprio hospital estadual não deveria usar o sangue sem o certificado de que fora submetido ao teste anti-AIDS, além de alguns outros exames laboratoriais indispensáveis.

            A sentença condenatória foi prolatada ontem pelo desembargador Salomão Resedá e outros três colegas da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, conforme revelou a assessoria de comunicação do tribunal. É possível questionar valores. O Brasil tem uma tradição de minimizar as indenizações de danos, mais ainda quando se tratam de danos morais.

            Embora seja significativo, o valor da indenização, fixado em R$ 100 mil reais, é modesto, diria insuficiente, pois, embora possa estar apenas visando à compensação dos danos morais (não conheço o processo em detalhes), supondo-se, portanto, que os danos materiais seriam cobertos pela pensão vitalícia de quatro salários mínimos.

            A indenização de R$ 100 mil é insuficiente para cobrir os danos morais. Uma pessoa que vem desde os três anos de idade enfrentando a AIDS e todas as suas consequências e continuará nesta mesma aflição até o último dia de sua vida ou, na melhor das hipóteses (ressalvados milagres), até que a cura da AIDS seja descoberta e resolva efetivamente o seu problema.

            Quanto aos danos materiais, eles incluem a aquisição de medicamentos que, eventualmente, sejam necessários ou convenientes sob o aspecto médico e o Estado não forneça à cobertura da diferença do que a pessoa poderia ser e fazer se não houvesse sido contaminada com o vírus e do que ela puder fazer apesar dele. Note-se que, tanto no caso da indenização quanto no da pensão vitalícia, o Estado não teria dificuldade em dispender os valores estabelecidos nem valores expressivamente mais altos. Na opinião deste repórter, valores mais altos seriam mais adequados.

            No entanto, não se tem aqui qualquer propósito de censurar aspectos da decisão judicial, muito ao contrário, escrevo como um humilde estímulo a que outros prejudicados pelos serviços de saúde, seja públicos ou privados, por erros evitáveis que sejam cometidos e efetivamente prejudiquem a saúde das pessoas. O sistema privado de saúde será um alvo fácil devido às falhas que, com raras exceções, apresenta, mas é evidente que o ponto crítico está na assistência prestada pelo SUS em unidades de saúde públicas e privadas.

            A decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia é um alento para as pessoas que se sintam prejudicadas ou para suas famílias. Também para que o Ministério Público se mova em relação a isto. Talvez, se tais ações se tornarem uma rotina, um hábito no caso em que haja verdadeira justificativa, o Estado passe a cuidar melhor da saúde das pessoas, cumprindo o dever a que o obriga a Constituição e o permitindo que o cidadão desfrute do direito que lhe dá a Carta Magna.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.