Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 9 de setembro de 2012

Crime de corrupção e o "ato de ofício": traduzindo o juridiquês

Domingo, 9 de setembro de 2012
Do Blog da Janice
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No julgamento da Ação Penal 470 ("mensalão"), o Supremo Tribunal Federal está se debruçando sobre diversas questões penais e processuais que, doravante, serão invocadas em outros feitos tanto pelas defesas quanto pelo Ministério Público, como referência e precedentes.

Uma dessas teses, largamente debatida ao longo desta semana, é a análise dos elementos necessários à caracterização do crime de corrupção passiva. É indispensável, como alegaram as defesas, que o Ministério Público especifique o "ato de ofício", ou seja, saber o que exatamente o agente público iria fazer em troca do recebimento de propina?

Corrupção é a mera solicitação ou aceitação de vantagem indevida em razão do exercício de função pública. O agente público não precisa fazer mais nada além de solicitar ou aceitar uma vantagem que não lhe é devida e que pode ser econômica, moral, política, institucional ou de qualquer espécie.

Leia o que diz o Código Penal:
Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena– reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena- detenção, de três meses a um ano, ou multa.

A lei penal exige a indicação do ato de ofício, apenas, em duas hipóteses:
a) para aumento da pena (a chamada corrupção qualificada, do § 1º);
b) para diminuição da pena (a forma mais branda, chamada corrupção privilegiada, do § 2º).

O STF firmou entendimento no sentido de que não é preciso dizer o que o agente público faria em troca do recebimento da vantagem - o "ato de ofício".

A Suprema Corte, que já decidira assim antes, só reafirmou o óbvio, o que já está na lei, destruindo as teses criativas de defesa que podem até ter sido acolhidas pontualmente em instâncias inferiores.

Para a caracterização do crime, como se lê do Código Penal, a lei não exige - e jamais exigiu - que haja, sequer, a indicação de ato de ofício.

Não há necessidade de se receber, efetivamente, a vantagem - a mera solicitação já é suficiente para configurar o crime de corrupção passiva, sujeitando o agente público à pena de 2 a 12 anos de prisão.

A propósito, a certeza de que a identificação do "ato de ofício" é irrelevante vem reforçada no fato de que  sequer é preciso que o agente público já esteja no exercício da função, pois a solicitação ou recebimento de vantagem pode se dar antes de sua nomeação. A vantagem indevida, aliás, pode ser a própria nomeação, em troca do pacto de favores futuros.

Com a decisão, o STF restaura o sentido puro da lei penal, acaba com a elasticidade dada à interpretação do que não seja corrupção e resgata valores há muito mitigados no cenário nacional.