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(Millôr Fernandes)

sábado, 6 de abril de 2013

A crise coreana

Sábado, 6 de abril de 2013
Por Ivan de Carvalho
         Há vários anos existe uma análise estratégica segundo a qual o poder militar americano, embora sendo hoje o maior do mundo, não seria capaz de enfrentar, por meios convencionais, três crises militares graves simultâneas.

         Dos três exemplos geralmente citados, por hipótese e circunstâncias da realidade, a questão na península coreana, dividida entre a comunista e agressiva Choréia do Norte e a democrática e capitalista Coréia do Sul é sempre um deles.

Outro é uma crise eventualmente desencadeada pela China continental (República Popular da China) contra Taiwan (República da China). Os Estados Unidos têm compromissos fortes de defesa tanto da Coréia do Sul quanto de Taiwan.

Finalmente, a terceira crise militar capaz de, junto com as outras duas citadas, ultrapassar a capacidade militar convencional americana seria uma guerra no Oriente Médio envolvendo os EUA. Um envolvimento praticamente obrigatório. Primeiro, usou-se o exemplo das duas guerras contra o Iraque. Hoje, aquietado ou aparentemente aquietado o Iraque, o problema principal no Oriente Médio é o Irã (mais poderoso e populoso que o Iraque), por sua aparente determinação de levar avante um programa nuclear capaz de permitir a produção de armas nucleares.

Ora, só o fato de o Irã, com um comando político-religioso notadamente tresloucado, possuir armamento nuclear causa calafrios não somente nos Estados Unidos e outras nações ocidentais, mas sobretudo em outras nações do Oriente Médio, árabes, muçulmanas não-árabes e especialmente em Israel, impaciente para resolver o problema militarmente, antes que o Irã faça a bomba e o Estado de Israel perca o não confessado monopólio de armas nucleares na região. Os EUA estão contendo Israel, por enquanto.

No momento, o caso do Irã – que proclama sua disposição de “varrer Israel do mapa” – está, digamos, quente e o da Choréia do Norte está pegando fogo. Kim Jong-um, aquela trouxa com uma vassoura de piaçava na cabeça, mesmo governando um dos países mais miseráveis do mundo, reuniu recursos suficientes para construir alguns mísseis e seu exército de um milhão de homens (é para onde vai todo o dinheiro que o país consegue) fez uns testes nucleares, do que concluem os analistas e espiões que foram feitas umas bombas nucleares desengonçadas, cujo tamanho se vem procurando reduzir para caber nas ogivas dos mísseis e estes aguentarem o peso.

Bem, imagine-se que a Choréia do Norte vá além dos limites nas ameaças e hostilidades e venha a causar um conflito. Mesmo apenas com armas convencionais, de início. E que, por uma dessas aparentes coincidências, o Irã dê sinais que convençam Israel da necessidade de um ataque de emergência às instalações nucleares secretas do Irã, antes que a bomba fique pronta. E vai que a China, aproveitando o envolvimento das forças americanas em um conflito coreano e na crise (com desdobramentos imprevisíveis) Israel-Irã, aproveite insensatamente a situação para avançar sobre Taiwan, na presunção de que os EUA não terão como reagir.

Nesta situação, as forças convencionais norte-americanas entrariam em colapso. Seria uma conjuntura em que os EUA precisariam ter, segundo os estrategistas, duas frotas navais completas, além das que atualmente têm. Ante um colapso da capacidade americana de projetar de modo eficaz seu poder às áreas de crise (a exemplo das três citadas), o risco de armamento não convencional entrar na história se multiplicaria. Até porque não dependeria só dos Estados Unidos – a China é uma potência nuclear, Israel também, a Choréia do Norte já tem como fazer estrago nuclear na vizinha Coréia do Sul, embora não nos Estados Unidos, como vem proclamando.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.