Domingo, 16 de março de 2014
por Pedro Gontijo Menezes
O Governo do Distrito Federal publicou uma nota curiosa no seu perfil de Facebook no último dia 11 de março. Diz que o DF, com 433 km de ciclovias “concluídas ou em conclusão”, é agora referência nacional e internacional em ciclovias, e que o projeto de mobilidade com transporte cicloviário do governador Agnelo “coloca o Distrito Federal em situação igualitária ou superior à de outras grandes capitais do exterior, como Copenhagen”.
O Governo do Distrito Federal publicou uma nota curiosa no seu perfil de Facebook no último dia 11 de março. Diz que o DF, com 433 km de ciclovias “concluídas ou em conclusão”, é agora referência nacional e internacional em ciclovias, e que o projeto de mobilidade com transporte cicloviário do governador Agnelo “coloca o Distrito Federal em situação igualitária ou superior à de outras grandes capitais do exterior, como Copenhagen”.
Não posso deixar de dizer que a nota me impactou. Fiquei curiosíssimo
para conhecer Copenhague, a cidade com fama de uma das mais ciclísticas
do mundo. Essa informação do GDF pode fazer de Brasília a nova cidade
mais ciclística do mundo! Devo confessar que, pedalando nas ruas da
capital há quatorze anos (há cinco quase diariamente), não fui atento o
suficiente para notar um salto de qualidade tão estupendo na mobilidade
por bicicleta.
Fiquei um pouco triste com os cidadãos de Copenhague, que se
dedicaram à melhoria do transporte público e por bicicleta por
praticamente tanto tempo quanto Brasília tem de vida, e ainda assim
ficaram para trás. Acho que fui muito crítico com minha cidade natal e
insensível com os dinamarqueses. Eles devem ter problemas piores e mais
evidentes que o nosso para que o Governo do DF coloque Brasília em
situação igualitária ou superior.
Eu tinha de ser mais solidário e entender que, a cada falha que
encontrava nas ciclovias de Brasília, deveria haver falhas piores e mais
perigosas em Copenhague. Durante meses me irritei com um poste que
havia no meio da ciclovia da L2 Norte, atravessado numa curva fechada
que esconde o ciclista da visão do motorista num cruzamento. Essa
conjunção de dificuldades e riscos para o ciclista impediu que
tivesse caridade para com os cidadãos de Copenhague, que devem ter
postes muito mais largos e cruzamentos muito mais perigosos e invisíveis
em sua cidade. Lá, esses cruzamentos arriscados e sem sinalização devem
aparecer em intervalos menores que quinhentos metros. Em
Brasília, optou-se pela elegância do elemento surpresa em nossas
ciclovias e elas escondem os ciclistas atrás de árvores, prédios,
pedestres e em cruzamentos de alta velocidade. Imagino os ciclistas em
Copenhague pipocando de becos escuros e caindo repentinamente do céu em
frente aos carros como granizo.
Apesar de o Código de Trânsito brasileiro garantir prioridade e
segurança aos veículos menores e não motorizados, pouco se faz para que
essa norma seja cumprida. Em Copenhague, o governo deve incentivar que
normas assim sejam descumpridas. Nunca vi alguém aqui ser multado por
ameaçar o ciclista com o carro. Na Dinamarca, os motoristas não devem
ser autuados nem quando atropelam um. Certa vez, um motorista quase me
atropelou num cruzamento na entrada da quadra residencial, dizendo que
não havia placa para impedi-lo. Em Copenhague, talvez o motorista
atropele ciclistas e nem saiba o que é uma placa para se justificar. As
ciclovias daqui mal têm dois anos e já racham e estufam. Lá as
ciclovias têm décadas e o ciclista talvez fique feliz por encontrar uma
rachadura na qual pedalar com conforto. Nas nossas ciclovias, os
pedestres dividem espaço com bicicletas e se arriscam em cruzamentos
apagados que favorecem o carro. Em Copenhague, pedestres devem disputar
o asfalto com ciclistas, automóveis e ônibus fumacentos. Irritei-me com a
falta de conexão entre as ciclovias de Brasília, e não reparei que em
Copenhague as ciclovias poderiam ser círculos fechados de dois
quarteirões que não levam a lugar algum.
Além disso, a sinalização das ciclovias em Brasília mal foi instalada
por causa da chuva, que deve derreter a tinta e impedir que finquem
placas no chão, um problema tão grave que não foi superado mesmo após
duas estações de estiagem. Em Copenhague, décadas de neve e chuva devem
tornar qualquer sinalização impossível.
O GDF avaliou as duas cidades e está seguro de que conseguimos
evoluir tanto ou mais que os dinamarqueses em concepção de mobilidade
por bicicleta. Eu pensei que a nota do GDF era cínica e só avaliávamos o
avanço da política para bicicleta contando quilometragem de ciclovia —
mas Copenhague deve estar pior. Seus governantes devem imaginar que o
acúmulo de quilômetros de ciclovias resolve sozinho todos os problemas, e
as facilidades para pedestres e ciclistas, as quais beneficiam tanto um
quanto outro, nem devem existir. O pedestre de Copenhague provavelmente
sofre mais do que o brasiliense: os sinais para pedestres e ciclistas
devem demorar horrores; pessoas e bicicletas devem subir e
descer desníveis três vezes maiores que as das passagens do Eixão e
escadas mais longas que a do Setor Bancário Sul; deve haver um
descampado com sol inclemente no verão e vias expressas intransponíveis
no centro da cidade; o dinamarquês não deve ter sequer considerado
a integração do transporte público e a facilidade que é levar uma
bicicleta no metrô.
Com tantos problemas, ainda assim metade da população de Copenhague
se locomove de bicicleta com extrema coragem e força de vontade. Eu
realmente não tinha percebido tamanho avanço no Distrito Federal;
devíamos ajudar os dinamarqueses a perceber que não adiantam mil
quilômetros de ciclovia se o cidadão não consegue atravessar uma
rua para chegar onde quer. Afinal, somos referência internacional.
por Pedro Gontijo Menezes, março de 2014