Quarta, 28 de janeiro de 2015
Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
Uma
boa entrevista para entendemos o que ocorre na Grécia é a do novo
ministro da Educação, Cultura e Religião, o septuagenário filósofo
Aristides Baltas, um dos fundadores do Syriza --o qual, segundo ele,
constitui-se numa "coalizão de várias organizações de esquerda, parte
vinda do tradicional eurocomunismo".
Ele próprio se inclui nesse grupo, pois provém do Partido Comunista,
"que teve grande atuação em 1968". A diferença é que, lá, a esquerda
optou pela união, ao invés da competição canibalesca por nacos de
poder:
"E se juntaram a isso trotskistas, maoistas e novas forças, como grupos feministas, de meio ambiente e antiglobalização. São grupos que sempre perderam eleições e reconheceram a necessidade de unir forças".
Sobre o temor que o exemplo grego inspira à Europa, ele explica:
"As principais forças, com a Alemanha capitalizando isso, empurram alguns países em direção à esquerda, como aqui, na Espanha e na Itália. Há uma atmosfera diferente na Europa. Forças estão se aliando em busca de uma negociação mais efetiva, com chances de implementar o que querem para seus países.
Símbolo: Tsipras adota a saudação do Poder Negro... |
[As medidas de austeridade fiscal] foram impostas pela Europa [à Grécia] sem levar em conta o que fazer se essas medidas dessem errado. O governo apenas seguiu essas ordens. Esse é o grande problema. Algo imposto de fora, que, no fundo, destruiu a Grécia. Esse programa tem sido um desastre".Quanto à aliança com o partido Gregos Independentes para governar, ele ressalta tratar-se de um agrupamento "que tem sido consistente no discurso contra as medidas de austeridade", ao contrário de outras agremiações direitistas, que se colocam "absolutamente a favor da posição da Europa".
Realmente, numa Grécia triturada pelo capital sem fronteiras, faz todo
sentido os nacionalistas apoiarem um governo que se elegeu exatamente
com a proposta de mudar tal estado de coisas. No que realmente importa,
há convergência.
A VITÓRIA DO SYRIZA É UM
TRAILER DO QUE ESTÁ POR VIR
A comparação com o Brasil é inevitável. Focarei dois aspectos.
A enorme decepção em que hoje se constitui a presença da esquerda na
Presidência da República começou a se desenhar em 1979, quando lulistas e
brizolistas decidiram criar partidos separados, idem as forças menores,
travando batalha encarniçada para imporem-se aos antagonistas do seu
próprio campo.
O PT saiu vencedor, mas a que preço! Tem governado em aliança com
direitistas e fisiológicos, o que lhe acarreta terrível desmoralização,
pois precisa recorrer aos mensalões, petrolões e ao loteamento de cargos
para recompensar seus pantagruélicos parceiros. Tão escandalosa quanto a
roubalheira na Petrobrás é a existência de nada menos que 39
ministérios, cabides para se pendurarem todos os parasitas desocupados
de uma miríade de partidecos constituídos ao sabor de apetites.
A solidão na qual se encontra no Planalto obriga o PT a escorar-se no
poder econômico, submetendo-se repulsivamente às exigências do grande
capital, como a de promover o ajuste recessivo atual.
Quando alertei os petistas de que não deveriam satanizar uma aliada natural como a Marina Silva, tinha exatamente isto em mente: face às dificuldades econômicas que atravessaríamos em 2015 (e ainda não dá para sabermos por quantos anos mais), seria fundamental contarmos com uma base sólida de esquerda.
A atitude mesquinha e inaceitável de hostilizar uma adversária do próprio campo como se fosse uma inimiga figadal do campo inimigo minou qualquer possibilidade de entendimento posterior. E Dilma, tendo a esquerda não fisiológica unida contra si, não está conseguindo resistir à força econômica e de mídia da burguesia, acabando por ceder até a seus meros caprichos (caso dos ministros sinistros que lhe enfiaram goela abaixo).
Mas, em sua capitulação incondicional à ortodoxia capitalista, a antiga guerrilheira não percebe um segundo aspecto: neste exato instante, os povos já foram saqueados e sacrificados demais por um sistema que, até o final deste ano, garantirá a 1% da população mundial a posse de 50% das riquezas produzidas pelo trabalho humano.
As tensões e mobilizações que vêm se avolumando ao longo da atual década desembocarão necessariamente numa fase de menos rigor e mais concessões à sociedade. A vitória do Syriza é um trailer do que está por vir.
Tem sido desde o final da II Guerra Mundial: alternam-se períodos de distensão e contração, de conquistas sociais e de austeridade rígida. Pois, se os povos fossem tratados durante todo o tempo como estavam sendo tratados os gregos, a revolução mundial seria inevitável.
Então, Dilma resolveu ser Thatcher na vida exatamente quando o espírito da dama de ferro está prestes a tirar férias. Por não ter aproveitado a passagem pela esquerda para aprender a decifrar a dinâmica da economia mundial, está engolindo desnecessariamente esse sapo descomunal chamado Joaquim Levy.