Solidariedade em falta

Domingo, 25 de janeiro de 2015

Do Jornal do Brasil

Por Mônica Francisco

O que dizer depois desta semana de mais uma perda, com a morte do pequeno Asafe, e a menina baleada que, felizmente, não se juntou às estatísticas?

 

O que dizer de uma semana em que descobrimos que não temos água? E agora, adivinha quem vai sofrer mais com essa situação? São tantos os reveses... e olha que não sou pessimista, pelo contrário.

Ainda não ouvi nenhuma declaração oficial de dirigentes que são pais e mães sobre os últimos acontecimentos que vitimaram essas crianças. Isso demonstra claramente qual é o lugar que determinadas crianças brasileiras ocupam na sociedade.

Não queria voltar ao assunto, mas é impossível não perceber o corte feito nas demonstrações de solidariedade em nosso país. Há alguns meses, escrevi nesta coluna sobre o estudo norte -americano que dava conta de que crianças negras são vistas como mais perigosas e mais maduras do que seus pares da mesma idade.

Ora, tanto lá quanto aqui, o que está em jogo são questões mais profundas e terríveis do que a violência urbana. São os alvos preferenciais desta violência. Não causa espanto ou assombro uma criança de 11 anos assassinada por policiais, porque aos olhos desta sociedade ela não tem a mesma ou o mesmo "direito" à infância do que seus pares brancos e de endereços mais nobres.

Não precisamos ser muito espertos para ter a clareza e perceber quem está morrendo nessa história, onde ficam e moram essas crianças. Na foto do menino Patrick, morto na última semana, ou melhor, ao lado da foto em um jornal havia uma legenda que dizia que ele havia sido pego pela polícia na semana anterior, ou seja, ser pego pela polícia em qualquer situação é autorização para morrer ou melhor ser morto?

Para muitos sim, não importa a idade. Nunca entendi o apêndice colocado em muitas matérias jornalísticas sobre uma pessoa que morre em determinadas circunstâncias, ou é detida, ou passa por algum constrangimento em abordagens, por exemplo, de que "não tinha passagem pela polícia", ou seja, se teve pode morrer, parece que essa é a senha.

Tomemos muito cuidado com as escolhas que fizermos. Devemos estar bem diligentes em que tipo de sociedade nos tornamos. Ainda dá tempo de revermos nosso caminho. Porque, no nosso caso, as consequências já fugiram do controle.

Quem não lembra da agonia da pequena Adriely Vieira, de 10 anos, que demorou mais de 8 horas para ser atendida. Mais uma pequena vida que se foi, mas quem lembra?

Daqui deste lado do túnel, onde a vida é escassa, onde o Estado é mínimo nas questões sociais e implacável no uso da força, a gente vai dando um jeito de sobreviver. Como li em uma inscrição feita em um prédio na Praça Saens Peña, "Sobreviver Cansa".

"A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)