Sexta, 9 de janeiro de 2014
Da Tribuna da Imprensa
Por LEONARDO BOFF
Uma coisa é se indignar, com toda razão, contra o ato
terrorista que dizimou os melhores chargistas franceses. Trata-se de ato abominável
e criminoso, impossível de ser apoiado por quem quer que seja.
Outra coisa é procurar analiticamente entender porque tais
eventos terroristas acontecem. Eles não caem do céu azul. Atrás deles há um céu
escuro, feito de histórias trágicas, matanças massivas, humilhações e
discriminações, quando não, de verdadeiras guerras preventivas que sacrificaram
vidas de milhares e milhares de pessoas.
Nisso os USA e em geral o Ocidente são os primeiros. Na
França vivem cerca de cinco milhões de muçulmanos, a maioria nas periferias em
condições precárias. São altamente discriminados a ponto de surgir uma
verdadeira islamofobia.
Logo após o atentado aos escritórios do Charlie Hebdo, uma
mesquita foi atacada com tiros, um restaurante muçulmano foi incendiado e uma
casa de oração islâmica foi atingida também por tiros.
Que significa isso? O mesmo espírito que provocou a tragédia
contra os chargistas, está igualmente presente nesses franceses que cometeram
atos violentos às instituições islâmicas. Se Hannah Arendt estivesse viva, ela
que acompanhou todo o julgamento do criminoso nazista Eichmann, faria
semelhante comentário, denunciando este espírito vingativo.
Trata-se de superar o espírito de vingança e de renunciar à
estratégia de enfrentar a violência com mais violência. Ela cria uma espiral de
violência interminável, fazendo vítimas sem conta, a maioria delas inocentes.
Paradigmático foi o atentado terrorista de 11 de setembro de
2001 contra os Estados Unidos. A reação do Presidente Bush foi declarar a
“guerra infinita” contra o terror; instituir o “ato patriótico” que viola
direitos fundamentais ao permitir prender, sequestrar e submeter a afogamentos
a suspeitos; criar 17 agências de segurança em todo o país e começar a espionar
todo mundo no mundo inteiro, além de submeter terroristas e suspeitos em
Guantánamo a condições desumanas e a torturas.
O que os USA e aliados ocidentais fizeram no Iraque foi uma
guerra preventiva com uma mortandade de civis incontável. Se no Iraque houvesse
somente ampla plantação de frutas e cítricos, nada disso ocorreria. Mas lá há
muitas reservas de petróleo, sangue do sistema mundial de produção.
Tal violência barbárica, porque destruiu os monumentos de uma
das mais antigas civilizações da humanidade, deixou um rastro de raiva, de ódio
e de vontade de vingança.
A partir deste transfundo, se entende que o atentado
abominável em Paris é resultado desta violência primeira e não causa
originária. O efeito deste atentado é instalar o medo em toda a França e em
geral na Europa. Esse efeito é visado pelo terrorismo: ocupar as mentes das
pessoas e mantê-las reféns do medo.
O significado principal do terrorismo não é ocupar
territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas
ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.
A profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de
setembro, o então ainda não assassinado Osama Bin Laden, feita no dia 8
de outubro de 2001, infelizmente, se realizou: “Os EUA nunca mais terão
segurança, nunca mais terão paz”.
Ocupar as mentes das pessoas, mantê-las desestabilizadas
emocionalmente, obrigá-las a desconfiar de qualquer gesto ou de pessoas
estranhas, eis o que o terrorismo almeja e nisso reside sua essência. Para
alcançar seu objetivo de dominação das mentes, o terrorismo persegue a seguinte
estratégia:
(1) os atos têm de ser espetaculares, caso contrário,
não causam comoção generalizada;
(2) os atos, apesar de odiados, devem provocar admiração pela
sagacidade empregada;
(3) os atos devem sugerir que foram minuciosamente preparados;
(4) os atos devem ser imprevistos para darem a impressão de
serem incontroláveis;
(5) os atos devem ficar no anonimato dos autores (usar
máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo;
(6) os atos devem provocar permanente medo;
(7) os atos devem distorcer a percepção da realidade:
qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Basta ver alguns rolezinhos
entrando nos shoppings e já se projeta a imagem de um assaltante potencial.
Formalizemos um conceito do terrorismo: é toda
violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com
medo e pavor.
O importante não é a violência em si, mas seu caráter
espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. Um dos efeitos mais
lamentáveis do terrorismo foi ter suscitado o Estado terrorista que são hoje os
EUA. Noam Chomsky cita um funcionário dos órgãos de segurança norte-americano
que confessou: “Os USA são um Estado terrorista e nos orgulhamos disso”.
Oxalá não predomine no mundo, especialmente, no Ocidente este
espírito. Aí sim, iremos ao encontro do pior.