Gastos com a Dívida Pública em 2014 superaram 45% do Orçamento Federal Executado
Confira os gráficos do orçamento de 2014, 2013 e 2012
Da Auditoria Cidadã da Dívida
Maria Lucia Fattorelli[i]
Rodrigo Ávila[ii]
Publicado originalmente na Auditoria Cidadã da Dívida em 5/2/2015
Em 2014, o governo federal gastou R$ 978
bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou
45,11% de todo o orçamento efetivamente executado no ano.
Essa quantia corresponde a 12 vezes o
que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que
o dobro dos gastos com a Previdência Social, conforme o gráfico abaixo.
Orçamento Geral da União (Executado em 2014) – Total = R$ 2,168 trilhão[Dê um clique sobre a imagem para ampliá-la]
Fonte: http://www8a.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=4434917 Notas: 1) inclui o “refinanciamento” da dívida, pois o governo contabiliza neste item grande parte dos juros pagos. 2) os gastos com juros e amortizações da dívida se referem aos GNDs 2 e 6, e foram desmembrados da Função “Encargos Especiais”: 3) as transferências a estados e municípios se referem ao programa 0903 – “Operações Especiais: Transferências Constitucionais e as Decorrentes de Legislação Específica”, e também foram desmembradas da Função “Encargos Especiais”. 4) os demais gastos da função “Encargos Especiais” foram referidos no gráfico como sendo “Outros Encargos Especiais”, e representam principalmente despesas com o ressarcimento ao INSS de desonerações tributárias, subsídios à tarifa de energia elétrica, pagamento de precatórios, dentre outras. 5) O gráfico não inclui os “restos a pagar” de 2014, executados em 2015.
Cabe esclarecer que os dados do gráfico acima foram extraídos dos dados oficiais contabilizados pelo governo no SIAFI.
O critério utilizado para a elaboração
do gráfico soma as parcelas informadas pelo governo a título de “juros” e
“amortizações”, no total de R$978 bilhões, pelas seguintes razões:
a) A parcela informada pelo governo a título de “Juros e Encargos da Dívida” foi de apenas R$ 170 bilhões. Conforme vem sendo denunciado desde a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados[iii],
em cada ano o governo vem deixando de computar grande parte dos juros
nominais, classificando-a como “amortizações”. As estatísticas
governamentais não evidenciam o valor que efetivamente está sendo pago a
título de juros nominais aos detentores dos títulos.
b) A parcela informada pelo governo a título de “Amortizações da Dívida”, ou seja, o pagamento do principal, foi de R$ 808 bilhões. Tal
valor está inflado pela atualização monetária de toda a dívida, que
deveria fazer parte dos juros, pois de fato é parte da remuneração dos
títulos, mas está sendo contabilizada como se fosse “amortização”, conforme também denunciado desde a CPI da Dívida Pública[iv].
Por causa desses equívocos denunciados
há anos, grande parte dos “Juros” que efetivamente pagamos aos
detentores dos títulos está embutida na parcela das “Amortizações”.
Diante da falta de informação acerca dos juros nominais efetivamente
pagos e da atualização monetária efetuada, não temos outra alternativa
senão somar todo o gasto com a dívida, conforme demonstrado no gráfico.
Esse equívoco do governo na apresentação
dos gastos efetivos com a dívida pública faz parte de uma coleção de
privilégios de ordem financeira, legal e econômica que o Sistema da
Dívida usufrui. Tal fato tem levado inúmeros analistas a aliviar o
efetivo peso que o endividamento público exerce sobre as contas públicas
do nosso país, utilizando um termo que ilude aqueles que não se
aprofundam na análise do Sistema: dizem que a parcela das amortizações
configuram “mera rolagem”, ou seja, o refinanciamento de dívida
anteriormente existente mediante a contratação de nova dívida, razão
pela qual não seria um problema para o país.
Analisando-se a composição do montante de R$ 808 bilhões contabilizados como “amortizações”, verifica-se o seguinte:
a) R$ 615 bilhões foram
contabilizados pelo governo como “refinanciamento”, aí incluindo-se a
correção monetária que não é explicitada em nenhum documento, e que é
parte dos juros nominais efetivamente pagos aos detentores dos títulos.
Ou seja, não se trata de ”mera rolagem”, mas sim pagamento de grande
parte dos juros com a contratação de nova dívida, o que fere o art. 167
da Constituição Federal;
b) R$ 54 bilhões provém do
recebimento de dívidas das quais a União é credora, principalmente as
dívidas que estados e municípios pagaram ao governo federal, ou seja,
também não se trata de ”mera rolagem”;
c) R$ 22 bilhões provém do
rendimento dos recursos da Conta Única do Tesouro, R$ 19 bilhões de
lucros das estatais (por exemplo, Petrobrás, Banco do Brasil, etc),
dentre muitas outras fontes. Assim, também não se trata de “mera
rolagem”, pois as tais parcelas de “amortizações” não foram pagas com
nova dívida, mas sim com recursos oriundos de sacrifício social, quando o
povo paga caro pelo combustível, pelas tarifas e juros dos bancos
estatais, pela conta de energia elétrica e vários outros produtos
(altamente onerados pelos impostos estaduais – ICMS), etc.
d) R$ 61 bilhões das amortizações
se referem à cobertura de prejuízos do Banco Central, ocorridos, por
exemplo, em operações chamadas de “swap cambial”, que beneficiam grandes
investidores às custas do povo. Interessante observar que, quando o
Banco Central dá lucro em determinados períodos[v], tais recursos são destinados obrigatoriamente para o pagamento da questionável dívida pública.
Devido aos diversos privilégios do
Sistema da Dívida que beneficia principalmente ao setor financeiro
privado nacional e estrangeiro, o estoque da dívida já supera R$ 4,5
trilhões de reais: o volume de títulos da dívida interna emitidos já
somam R$3,3 trilhões[vi] e a dívida externa bruta supera 554 bilhões de dólares[vii]!
A análise dos gastos com a dívida não
deve ficar restrita aos fabulosos números tanto dos gastos anuais como
de seus estoques. É necessário ressaltar que a dívida atual é altamente
questionável, pois é produto de inúmeras ilegalidades e ilegitimidades
desde a sua origem espúria no período da ditadura militar, até os tempos
atuais.
Apenas para ilustrar, cabe citar algumas infâmias que impactam a geração de dívida pública:
a) taxas de juros absurdas, estabelecidas sob influência de banqueiros[viii],
utilizando-se o pretexto de combater uma inflação que nada tem a ver
com taxa de juros, mas com a alta de preços administrados pelo próprio
governo (como luz, água e combustíveis) e da alta de alimentos, causada
por fatores climáticos;
b) aplicação de “juros sobre juros”, prática considerada ilegal, conforme Sumula 121 do STF;
c) aplicação das mais altas taxas de juros do mundo, sem justificativa técnica;
d) utilização da dívida interna
onerosa para financiar a compra de dólares especulativos que ingressam
no país (sob o pretexto de evitar que o Brasil seja atingido por crises
internacionais, mas que poderiam ser evitadas por meio do controle de
fluxo de capitais), e destinação desses dólares para as reservas
internacionais que não rendem quase nada ao país;
e) utilização da dívida interna
onerosa para financiar questionáveis empréstimos do BNDES a juros
subsidiados e prazos a perder de vista para grandes empresas privadas
que realizam obras no exterior.
Por tudo isso reivindicamos a realização
de completa auditoria da dívida pública, tanto interna como externa,
desde a sua origem. A contínua destinação de elevados montantes para o
pagamento de “amortização” da dívida, suavizados sob o rótulo de “mera
rolagem”, assim como dos extorsivos juros desse questionável processo,
estão sacrificando a sociedade. Além de arcar com pesada e distorcida
carga tributária, a sociedade não recebe os serviços sociais essenciais,
como saúde e educação. O país está com seu desenvolvimento
socioeconômico travado, a serviço de garantir lucros escorchantes ao
sistema financeiro, e apodrecido pela corrupção.
[ii] Economista da Auditoria Cidadã da Dívida
[v] Em 2014, R$ 21 bilhões desta fonte de recursos foram utilizados para o pagamento de amortizações da dívida federal.
[vi] http://www.bcb.gov.br/ Notas para imprensa/POLÍTICA FISCAL/ Quadro XXXVI – Títulos públicos federais
[vii] http://www.bcb.gov.br/ Notas para imprensa/SETOR EXTERNO/Quadro LI-Dívida Externa Bruta
Orçamento Geral da União (Executado em 2013) – Total = R$ 1,783 trilhão
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Fonte: Senado Federal – Sistema SIGA BRASIL – Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. Nota: Inclui o “refinanciamento” da dívida, pois o governo contabiliza neste item grande parte dos juros pagos. Não inclui os restos a pagar de 2013, pagos em 2014.
__________________________________Orçamento Geral da União – Executado em 2012 – Total = R$ 1,712 trilhão
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Fonte: Senado Federal – Sistema SIGA BRASIL – Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida
Nota: Inclui o “refinanciamento” da dívida, pois o governo contabiliza dentro deste item grande parte do pagamento de juros.